Preparação de estudantes para exames pressiona professores

Avaliações externas de aprendizagem, sobrecarga de trabalho e falta de suporte nas salas de aula desafiam docentes da educação básica, revela estudo abrangendo mais de 15 mil profissionais

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Por Alessandra Ribeiro

Desenvolver atividades didáticas focadas no desempenho dos alunos em exames padronizados, como os do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do Ministério da Educação, com o desafio de melhorar os indicadores de qualidade educacionais, tem sido um dos elementos de pressão no trabalho dos professores após a pandemia de Covid-19. A constatação é de um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Políticas Públicas e Profissão Docente, sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

O objetivo é observar a reestruturação do trabalho dos professores da educação básica a partir de mudanças recentes – como o emprego de tecnologias digitais, acelerado com a adoção do ensino remoto emergencial durante a pandemia –, e produzir conhecimentos que orientem políticas públicas voltadas à correção de desigualdades educacionais no país. Além disso, pretende-se analisar as condições dos estudantes e de suas famílias neste contexto.

Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília.

O estudo parte de dados coletados em duas pesquisas anteriores. A primeira, feita em junho de 2020, contou com a participação de 15.654 professores da educação básica nas redes estaduais e municipais de todo o Brasil. A segunda, desenvolvida entre setembro de 2021 e março de 2022, envolveu 1.109 professores de 46 municípios em quatro estados da região Nordeste: Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Prática pedagógica direcionada

“A partir das respostas dos docentes aos questionários aplicados on-line, verificamos que existe uma percepção de que professores de português e matemática são sobrevalorizados em relação aos docentes das demais disciplinas”, destaca a cientista social Dalila Andrade Oliveira, coordenadora do INCT Políticas Públicas e Profissão Docente. Ela observa que isso ocorre principalmente em estados que adotam as chamadas políticas de alta responsabilização, aquelas que se centram em disciplinas específicas, como português e matemática, para avaliar o desempenho estudantil e classificar as escolas e os professores de acordo com os resultados. “Tais políticas acabam promovendo segmentações entre os docentes que podem comprometer o trabalho colaborativo, essencial para o desenvolvimento do ensino”, alerta.

Segundo a pesquisadora, um terço dos participantes da pesquisa realizada no Nordeste afirmou que a direção ou a equipe de gestão das escolas frequentemente recomenda a adaptação do ensino para alcançar os padrões de aprendizagem avaliados nos testes, interferindo na autonomia dos professores. Além disso, 79,6% afirmaram que realizam atividades como a aplicação de simulados para os estudantes, com o objetivo de prepará-los para as avaliações externas, durante o ano todo.

“A prática pedagógica focada no treinamento para testes externos, em especial o reforço escolar centrado em determinadas disciplinas, pode pôr em risco a formação mais ampla a que os estudantes têm direito, prevista no artigo 205 da Constituição Federal”, pondera.  

Desigualdades regionais

Outro aspecto que chama a atenção, sobretudo no levantamento realizado com professores dos estados do Nordeste, é a sobrecarga de trabalho: 31,2% dos respondentes eram responsáveis por mais de 200 estudantes, somadas suas turmas, e 57,7% lecionavam para estudantes com deficiências – neste caso, a maioria não contava com profissionais de apoio nas salas de aula.

Diferenças regionais foram observadas principalmente no acesso às tecnologias digitais e ao suporte institucional. Professores das redes municipais, especialmente em regiões geográficas menos favorecidas, relataram maiores dificuldades com o ensino remoto, devido à falta de formação e suporte para se adaptarem a esse formato. “A infraestrutura escolar precária em algumas regiões agravou os desafios enfrentados pelos docentes, que persistem mesmo depois da pandemia”, relata Oliveira. Os dados coletados mostram que educadores do Sul e Sudeste tiveram mais suporte tecnológico do que os do Norte e Nordeste.

Outro aspecto evidenciado na pesquisa realizada durante a pandemia foram as dificuldades enfrentadas para garantir o direito universal à educação, especialmente devido ao acesso desigual a equipamentos digitais entre os estudantes. “A pesquisa verificou que muitos estudantes não tinham os recursos necessários para acompanhar o ensino remoto, especialmente nas regiões mais pobres. Essa desigualdade dificultou a continuidade do ensino e acentuou as disparidades educacionais”, enfatiza.

Ao longo do segundo semestre de 2024, os pesquisadores visitarão 15 unidades educacionais localizadas em áreas rurais do Território Piemonte Norte do Itapicuru, na Bahia, para fazer entrevistas com professores e avaliar as escolas a partir de um protocolo elaborado para analisar a infraestrutura escolar, com o objetivo de validar este indicador por meio da observação presencial. As informações coletadas serão confrontadas com dados do Saeb e da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla em inglês), coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para aferir a correspondência entre estudos teóricos e informações estatísticas.

 

Sobre o projeto:

O projeto Direito à Educação e Reestruturação da Profissão Docente: Desafios para as Políticas Públicas Atuais”  foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenadora: Dalila Andrade Oliveira (UFMG)