Cresce o número de mulheres nos grupos do CNPq

Apesar do aumento, disparidades de gênero e raça persistem e a representatividade feminina concentra-se sobretudo nas humanidades, indica estudo do Ipea

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Por Aline Weschenfelder e Stefanie Oliveira 

Políticas de igualdade, maior acesso à educação e mudanças sociais impulsionadas por movimentos feministas contribuíram para um aumento de 8% no número de mulheres nas lideranças de grupos de pesquisa  nos últimos 23 anos. No entanto, esse avanço ainda privilegia mulheres brancas e se restringe a determinadas áreas do conhecimento, como as humanidades, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito com base nos dados do Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa (DGP) de 2023. 

O DGP foi criado na década de 1990 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência federal de apoio à pesquisa. O objetivo era centralizar e padronizar dados — até então fragmentados em diferentes agências governamentais — sobre grupos de pesquisa no Brasil. Com base nessas informações, o CNPq passou a realizar avaliações periódicas da capacidade de pesquisa do país, os chamados Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa.

No estudo do Ipea, os pesquisadores se debruçaram sobre a evolução do número de grupos de pesquisas — e dos cientistas vinculados a eles — e seus líderes entre os anos de 2000 e 2023 com base em dados do Censo DGP 2023, analisando-os por sexo e áreas do conhecimento. O objetivo era observar o desenvolvimento da comunidade científica para compreender os efeitos das políticas públicas relacionadas a esse setor, e tentar entender como se deu a distribuição de pesquisadores homens e mulheres no país nas diferentes áreas nas últimas décadas.

Os resultados indicam que houve um aumento da participação de mulheres em atividades científicas e tecnológicas no âmbito do GDP. Em 2000, elas respondiam por 44% do total de pesquisadores vinculados aos grupos de pesquisa do Diretório. Em 2023, essa proporção passou a ser de 52%.

Em outro estudo ainda em desenvolvimento, os pesquisadores analisam esses dados à luz de vários indicadores, entre eles cor/raça. Os dados preliminares dessa análise sugerem que o aumento da participação feminina na liderança dos grupos de pesquisa se dá principalmente entre  mulheres brancas. “As mulheres negras ainda são minoria nas posições de liderança, destacando-se mais nas humanidades”, diz a economista Márcia Siqueira Rapini, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coautora do estudo.

Os números mostram bem essa lacuna. Em 2000, 22,1% dos líderes de grupos de pesquisa em medicina eram mulheres brancas e apenas 1,4% negras; em 2023, a relação foi de 38,2% para 9,2%, respectivamente. Nessa área, em 2023, o número de pesquisadoras mulheres superou o de homens, que foi de 42,8%.

Na área de arquitetura e urbanismo, em 2023, 39,9% das lideranças de grupos de pesquisa eram mulheres brancas e 7,9% negras. O maior percentual de mulheres negras foi observado na área de economia doméstica, que integra as humanidades: 33,3%. Para os pesquisadores, trata-se de uma área menos atrativa e que representa atividades “mais femininas”.

Na economia, entretanto, predomina a liderança de homens brancos nos grupos, representando 45,9% dos pesquisadores, enquanto os negros são 25,6%, mulheres brancas 23,5% e negras apenas 5%. “Ou seja, as discussões econômicas são pautadas por homens brancos, já que estamos falando das lideranças dos grupos, e isso envolve escolhas de temas a serem pesquisados e pedidos de financiamentos”, diz o economista Tulio Chiarini, pesquisador no Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea/Rio de Janeiro e um dos autores do estudo.

“Apesar desse crescimento de mulheres — negras e brancas — na pesquisa, ele ainda é lento e deverá aparecer com mais ênfase daqui a 10 ou 15 anos”, enfatiza Chiarini. “Imaginamos que mais pessoas negras, sobretudo mulheres, estarão em mais áreas do conhecimento, como as ciências duras, devido às políticas de inclusão”, complementa.

Barreiras

Para a pesquisadora Laura Guimarães Corrêa, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMG, a baixa representatividade de pessoas negras – sobretudo de mulheres negras – na ciência ocorre em razão do racismo estrutural, o que torna a ascensão acadêmica mais difícil.

Ela explica que o número de pessoas negras vai ficando cada vez menor na medida em que se vai chegando ao topo da carreira acadêmica. Dessa forma, para que mais pessoas negras, principalmente mulheres, façam parte do universo acadêmico, é preciso haver políticas públicas que beneficiem, compensem ou reparem anos de espoliação e exploração dessa população, e que rompam o “teto de vidro” — metáfora /conceito usada para se referir às  barreiras invisíveis que impedem o avanço profissional de grupos minoritários, tanto na ciência como para o mundo dos negócios. 

O preconceito sofrido por mulheres no âmbito acadêmico é histórico e, apesar de evidenciar os desafios enfrentados pelas negras, as brancas também são afetadas. Para Corrêa, a invisibilidade enfrentada no ambiente de trabalho, por exemplo, decorre da idealização do perfil de cientista considerado sendo de um homem.

A bióloga Fernanda Staniscuaski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), autora de um estudo que analisa a sub-representação da mulher na ciência, com ênfase na publicação de artigos e citações, aponta que a participação das mulheres nesse campo é atravessada por muitos desafios que incluem, além da discriminação de gênero, situações de assédio e dificuldades associadas à maternidade. 

As duas pesquisadoras destacam que o ambiente universitário ainda reflete antigos estereótipos sobre quais profissões são mais “adequadas” para homens e mulheres. Elas apontam que, historicamente, a sociedade impõe expectativas de carreira de acordo com o gênero, o que faz com que as mulheres estejam em maior número em áreas como ciências humanas, sociais, linguísticas, letras e artes. 

Segundo Staniscuaski, é um problema que reflete a sociedade. “Não há superioridade de gênero em áreas específicas, o que existe é um reforço de normas culturais que orientam as escolhas de carreira desde a infância”, complementa.

Corrêa considera que a diferença na educação de homens e mulheres contribui para que essa segmentação exista. “Enquanto as meninas aprendem a cozinhar e brincam de bonecas, os meninos fazem atividade externas, mais competitivas ou jogos de inteligência”, diz.

Maternidade: um obstáculo na carreira científica? 

Para as pesquisadoras, não se pode abordar questões de gênero sem levar em conta os desafios inerentes à maternidade.

Fundadora do movimento Parent in Science — uma iniciativa de apoio às mães e pais na ciência, que visa promover igualdade de gênero e inclusão na academia — Stanisçuaski  defende que a maternidade não deve ser vista como um obstáculo na carreira acadêmica. “A maternidade é um fenômeno natural na vida das mulheres, seja por escolha ou por circunstância, mas o sistema acadêmico muitas vezes a vê como um desvio da trajetória profissional ideal”, afirma.

Corrêa ressalta que o impacto da maternidade na carreira das mulheres é um tema recorrente na luta pela igualdade de gênero, uma vez que pode influenciar na atribuição de cargos, bolsas e posições importantes dentro da academia.

O que deveria ser tratado como um acontecimento natural na vida das mulheres passa a ser uma barreira na trajetória profissional feminina. “Isso acontece devido aos estereótipos criados sobre o perfil de um cientista ideal, que não aceita desvios, pausas e mudanças”, diz Staniscuaski.

As pesquisadoras defendem que as limitações impostas a determinados grupos no sistema científico brasileiro são estruturais e exigem uma reavaliação dos critérios de sucesso e avanço na carreira, que muitas vezes não refletem a qualidade da pesquisa desenvolvida.

Sobre o estudo:

A nota técnica “Revelando tendências: análise dos resultados do censo dos Grupos de Pesquisa de 2023”, assinada por Tulio Chiarini, Márcia Siqueira Rapini e Emerson Gomes dos Santos, foi publicada no Repositório do Conhecimento do Ipea.

 

Imagem da capa: Freepik