O cuidado pedagógico além das telas

Soluções tecnológicas podem evitar o abandono e melhorar o desempenho no EaD, acreditam pesquisadores, mas sem perder de vista as dimensões sociais e afetivas

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Por Aline Weschenfelder

Incentivar alunos de graduação e pós-graduação a manterem o comprometimento no Ensino a Distância (EaD) está entre os desafios encarados no cotidiano de professores. Segundo dados do Censo da Educação Superior 2021, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Ministério da Educação (MEC), a procura por essa modalidade de ensino aumentou 474% no período de 2011 a 2021. Neste cenário, encontrar soluções tecnológicas que possam ser recomendadas para o enfrentamento da evasão, desmotivação e desistência de alunos do EaD ou do ensino híbrido está entre as metas de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O projeto de pesquisa “Competências socioafetivas para a educação: um olhar a partir dos ambientes virtuais de aprendizagem” também envolve uma rede de investigadores e alunos de outras universidades do Brasil e do exterior. Para encontrar as soluções tecnológicas propostas, os pesquisadores planejam “identificar cenários socioafetivos”, isto é, examinar como ocorrem as relações sociais e afetivas entre alunos e professores em Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA).

Tal identificação deverá ser feita a partir de questionários com perguntas relacionadas às interações dos alunos em fóruns, contatos e bate-papos, o que permitirá aos pesquisadores conhecerem o perfil dos estudantes. Além disso, o trabalho contará com observação participante, que deverá ocorrer durante a realização de aulas.

As investigações sobre EaD e AVA são temas debatidos pelos pesquisadores envolvidos no projeto há mais de 23 anos. Porém, a elaboração de um mapa afetivo, desenvolvido na tese de uma das participantes da pesquisa em 2011, foi determinante para que o trabalho também passasse a abordar questões relativas à socioafetividade. Segundo Magalí Longui, autora do trabalho, o mapa apresentava palavras que manifestavam afetividade por parte dos alunos e, com base nelas, foi possível refletir sobre diferentes graus de interesse e motivação dos alunos

No entanto, a esfera social também fazia parte das preocupações que envolviam a análise daquela época. “A partir de então, começamos a trabalhar mais as questões sociais, com a criação de ferramentas para medir a colaboração, popularidade, evasão, ausência e formação de grupos em AVA”, explica Longhi. E isso levou o grupo a agregar os problemas originários tanto de situações coletivas como individuais, dando ênfase à afetividade. Pois, o que relacionava essas diferentes situações poderia estar estimulando competências socioafetivas.

No contexto explorado pela investigação, o termo competências engloba um conjunto de elementos que integram conhecimentos, habilidades e atitudes. No que diz respeito à socioafetividade, ela se refere a aspectos sociais e afetivos, sendo que os primeiros levam em conta o lugar onde ocorrem as interações, no caso, os AVA. Quanto a afetividade, esta considera o estado de ânimo, preferências e particularidades de cada aluno. E, com o surgimento da pandemia da Covid-19, em 2020, essas questões ficaram ainda mais evidentes no cenário acadêmico.

Crédito: Freepik

O EaD possui seus próprios desafios e, com a chegada do coronavírus, as adversidades típicas desta modalidade tomaram novas proporções. Segundo Patrícia Behar, coordenadora do projeto e pesquisadora da UFRGS, os sentimentos de estresse, ansiedade, angústia e depressão, bem como a falta do contato e o distanciamento social durante a pandemia, foram fatores significativos para a persistência no tema da investigação. “Estamos focando nesses aspectos sociais e afetivos para trazer esses fatores que vieram da pandemia, mas não apenas. Eles existem na educação a distância há bastante tempo, e a evasão é um dos primeiros problemas identificados”, explica a pesquisadora.

A pesquisadora destaca que outros ângulos da pesquisa já vinham sendo observados antes da pandemia, visto que a análise continuou durante o isolamento social. Na época, os dados encontrados pelos pesquisadores corresponderam a sentimentos de isolamento, vazio e desesperança por parte dos alunos. Conforme Behar, o momento representou uma mudança significativa na relação professor-aluno. “A meu ver, durante a pandemia não foi um momento de se exigir muito deles, foi o momento de cuidar deles. De cuidar da saúde mental, de mantê-los ocupados, com atividades sem os sobrecarregar”.

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Ela também ressalta o problema da falta de recursos, na maioria das vezes, enfrentado por alunos do ensino público. “Estar em casa e não saber quando é o horário do almoço, da janta, de estudar, trabalhar, e ainda ter que dividir computador foram razões que nos levaram a motivar os alunos para que estudassem juntos, ou mesmo que fizessem trabalhos em grupo”. Embora o isolamento social tenha acabado, a pesquisadora considera importante seguir com esse tipo de atenção aos alunos de EaD.

Behar aponta o uso da tecnologia na educação como um avanço positivo, que deve favorecer a continuidade de muitos alunos na universidade. De acordo com ela, mesmo após a pandemia, professores estão incluindo as tecnologias como espaço de aula. “Vemos muitas vantagens, como ficar em casa ou ganhar aquele tempo que utilizamos para ir até a universidade. Começamos a ter esse modelo mais híbrido”. 

Em sua totalidade, o estudo conta com pesquisadores das áreas da Educação, Psicologia e Computação.

Sobre o projeto:

O projeto Competências socioafetivas para a educação: um olhar a partir dos ambientes virtuais de aprendizagem foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Patrícia Behar (UFRGS)