Falta assistência às mulheres negras cotistas da UFC, diz pesquisadora

Racismo e problemas infraestruturais nas residências universitárias são alguns dos desafios

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Por Valcidney Soares

Classe, gênero e raça formam um conjunto de elementos opressores que ainda podem contribuir para a não permanência e a má qualidade na formação de mulheres negras cotistas no ensino superior, mais de uma década depois da Lei de Cotas (Lei n. 12.711/2012) ser implementada no país.

Buscando entender as vivências das alunas cotistas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e os possíveis preconceitos sofridos por elas, apesar das importantes ações de permanência oferecidas pela instituição, a pesquisadora Adriana Castro estuda a relevância e os desafios das ações afirmativas no projeto “Mulheres negras cotistas na universidade”.

Castro, que já tem um trabalho anterior feito no doutorado sobre a avaliação do impacto das ações afirmativas entre os cotistas em geral da UFC, busca agora se debruçar especificamente sobre as mulheres negras. 

Ilustração: Felipe Assumpção
Ilustração: Felipe Assumpção

“Há muitas décadas as mulheres negras vêm apresentando os piores indicadores sociais no país”, explica a docente. Segundo ela, esse cenário é mais visível no Nordeste, sendo que Fortaleza é a terceira cidade brasileira a apresentar os piores indicadores de violência doméstica, que atinge principalmente as mulheres negras pobres.

A pedagoga observa que a elevação do grau de escolaridade das mulheres negras pode diminuir significativamente as taxas de violência doméstica.

Professora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior (POLEDUC) da UFC, Castro recorre à interseccionalidade, recurso em que se consideram diferentes elementos de opressão relacionados a um sujeito. Parte das cotistas vêm de escola pública e por isso já são mais fragilizadas economicamente, explica. 

“O objetivo foi se concentrar em um sujeito de pesquisa sobre o qual se sobrepõem elementos de opressão, como a classe, o gênero e a raça”, afirma.

Em 2023 a lei de cotas completa 11 anos. Para Castro, a política é “extremamente necessária, mas não é suficiente”. Como exemplo, ela cita as residências universitárias, criadas pelas instituições para acolher e apoiar alunos em vulnerabilidade social vindos de outras cidades, entre eles mulheres negras cotistas.

“São poucas vagas, mas a própria estrutura da residência é muito aquém do necessário para que de fato contribua com a permanência e com a qualidade na formação”, comenta a pesquisadora. 

A pesquisa de Castro ainda está em etapas iniciais. Até o momento foram feitos questionários e entrevistas com alunas. Resultados preliminares reforçam a precariedade já observada pela pesquisadora. “Elas dizem: ‘olha, a gente é jogada aqui dentro’”, diz. 

Os resultados preliminares também revelam depoimentos sobre comentários racistas ouvidos pelas alunas sobre seus cabelos.

“Isso está muito presente no relato delas. É algo que as afeta e por isso elas precisam dessa atenção”, aponta.

A pesquisa atual segue a mesma linha da tese de doutorado apresentada pela pesquisadora em 2021, que avaliou o impacto das cotas entre todos os grupos de discentes da UFC. Após a pandemia, diz Castro, percebeu-se também uma necessidade maior de acompanhamento psicológico a essas estudantes negras cotistas.

Entre os suportes encontrados, algumas alunas relataram que participam de fóruns de estudantes negros. Segundo a pesquisadora, esse tipo de suporte parece ser o que as alunas participantes do estudo consideram ser o mais importante para se manterem na universidade.

Sobre o projeto:

O Projeto Mulheres negras cotistas na universidade foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Adriana Castro Araújo (UFC)