Os desafios do empreendedorismo científico no Brasil
Pesquisadores identificam alguns dos fatores que contribuem para o sucesso e fracasso das chamadas startups deep techs, criadas por cientistas dentro de universidades
Por Rodrigo de Oliveira Andrade
Os últimos anos foram marcados pelo avanço das startups deep techs, pequenas empresas de base científica e tecnológica, quase sempre criadas dentro de universidades e voltadas ao desenvolvimento de soluções inovadoras para desafios complexos, com possíveis impactos sociais, ambientais e em saúde. O setor inclui empresas dedicadas à inteligência artificial (IA), biotecnologia, robótica, tecnologia espacial, energia limpa e nanotecnologia, entre outras. O Brasil se destaca nesse sentido. É o segundo país com mais empresas dessa natureza na América Latina, atrás apenas da Argentina, de acordo com relatório do Laboratório de Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (IDB Lab).
Pesquisadores do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo (PGT-USP) agora estão tentando mapear os desafios dos pesquisadores que se arriscam na criação dessas empresas. “Eles são cientistas, formados para fazer pesquisa em laboratórios nas universidades, não para gerenciar empresas ou fazer negócios”, comenta o administrador de empresas Felipe Mendes Borini, professor do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e coordenador do projeto “Microfundamentos da criação de capacidades de inovação em startups deep tech”.
“Queremos entender o que os faz querer criar uma startup, como se dá a transição do laboratório para o mercado, quais dificuldades enfrentam e como lidam com elas”, completa o pesquisador. O objetivo, segundo ele, é determinar os fatores por trás do sucesso e fracasso desses negócios. Ao lado de colaboradores de instituições do Amazonas, da Bahia, do Ceará, de Minas Gerais, do Paraná, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina, eles entrevistaram cientistas-empreendedores de 35 deep techs em diferentes estágios de maturidade.
Uma das principais dificuldades observadas nos casos analisados até o momento é a falta de conhecimento e de habilidade dos cientistas para identificar o potencial de mercado de suas descobertas e atrair o investimento necessário para transpor o chamado “vale da morte”, o estágio entre o desenvolvimento de inovações e sua consolidação comercial. Muitos se instalam em incubadoras e parques tecnológicos vinculados às suas universidades de origem. “Lá, encontram apoio e orientação para consolidar suas empresas em termos de gestão, viabilidade e modelo de negócio”, explica Borini. “Eles também aprendem os problemas jurídicos que vão enfrentar, como se organizar contabilmente e conseguir recursos.”
Os investimentos iniciais costumam vir de órgãos públicos, como fundações de amparo à pesquisa, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Não é razoável supor que as empresas, sobretudo as pequenas, irão assumir sozinhas os riscos tecnológicos”, afirma o pesquisador. “Em qualquer lugar do mundo, esse risco é inicialmente compartilhado com o Estado.” Da mesma forma, diz Borini, é ingênuo esperar que o capital de risco irá investir nos estágios iniciais e mais arriscados de uma nova tecnologia, já que esse processo envolve altos riscos e retornos incertos.
Mesmo as empresas que alcançam certo grau de maturidade têm dificuldade para sobreviver aos primeiros anos fora das incubadoras. Isso porque não conseguem estabelecer um ritmo de produção capaz de cobrir seus investimentos e gastos operacionais. “São grandes as dificuldades para monetizar o negócio nos primeiros anos”, afirma Borini. “As que conseguem fazer algum dinheiro, muitas vezes não atingem um ponto de equilíbrio operacional capaz de dar conta dos gastos com equipe, aluguel e manutenção da infraestrutura.” Em geral, esse gerenciamento depende da colaboração de profissionais de áreas não científicas (advogados, contadores, administradores etc.), mas muitos cientistas-empreendedores têm dificuldade para criar e gerenciar essas equipes.
Eles também resistem em ceder parte de sua tecnologia ou de seu negócio para possíveis sócios. Em geral, empresas, investidores-anjo e fundos de venture capital investem em companhias nascentes apostando em seu potencial de crescimento. Em troca, exigem uma participação acionária na empresa. “Muitos pesquisadores se negam a ceder parte de seu negócio ou não entendem que isso faz parte do jogo para que consigam crescer e se consolidar, ganhar escala para atender grandes clientes em grandes quantidades e andar com as próprias pernas”, afirma Borini.
Ele e sua equipe ainda estão trabalhando na análise das entrevistas com os cientistas-empreendedores. Os pesquisadores pretendem usar essas e outras informações para apoiar incubadoras e parques tecnológicos no desenvolvimento de ferramentas gerenciais que ajudem esses indivíduos a superarem esses desafios, aumentando as chances de sucesso de suas deep techs.
Sobre o projeto
O projeto Microfundamentos da Criação de Capacidades de Inovação em Startups Deep Tech foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.
Coordenador: Felipe Mendes Borini (FEA-USP)
