Revitalizando línguas sub-representadas

Pesquisadores do Brasil, da Argentina e do Uruguai estudam idiomas indígenas pouco conhecidos para compreendê-los melhor e evitar que desapareçam.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Como os seres humanos produzem significados por meio das línguas? Que recursos utilizam para produzir a noção de definição e indefinição? Um grupo de pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa da Argentina, do Brasil e do Uruguai tem se debruçado sobre essa questão do ponto de vista de línguas pouco estudadas e com foco nas chamadas expressões nuas, aquelas sem determinante aparente, seja definido, como “a” ou “as”, seja indefinido, como “uma”.

O português brasileiro está cheio dessas expressões: “Lagartixa é um bicho nojento”, “Cachorro late”, “Mulheres choram à toa”. Sob coordenação da linguista Roberta Pires de Oliveira, do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os pesquisadores estão analisando se e como essa estrutura se manifesta nas línguas indígenas terena, wapishana, kaiowá e rikbaktsa.

Além do português brasileiro, eles estão usando como base de comparação o espanhol rioplatense — falado nos arredores do Rio da Prata, particularmente no Uruguai e nas províncias de Buenos Aires, Santa Fé e Entre Ríos, na Argentina —, considerada uma língua “bem comportada” do ponto de vista do uso de artigos definidos e indefinidos. Assim como outras línguas neolatinas, como o francês ou o italiano, não aceita expressões nuas, isto é, o substantivo sempre vem acompanhado do artigo.

No espanhol, por exemplo, diz-se: “La lagartija es un bicho asqueroso”, El perro ladra”, “Las mujeres lloran por cualquier cosa”. No francês, “Le lézard est une bête dégoûtante”, “Le chien aboie”, “Les femmes pleurent pour un rien”. No italiano, “La lucertola è una bestia disgustosa”, “Il cane abbaia”, “Le donne piangono per un nonnulla”.

foto: Instituto Socioambiental

Por serem menos documentadas e estudadas, ainda não estava claro como algumas línguas indígenas brasileiras se comportavam nesse sentido. Para investigar esse fenômeno, os pesquisadores visitaram essas comunidades para coletar dados sobre como elas produziam significados por meio de suas línguas e verificar se e como elas distinguiam os artigos definidos dos indefinidos em diferentes contextos.

Para isso, aplicaram questionários e apresentaram cartões (storyboarding) com representações de diferentes situações para que os falantes dessas línguas as descrevessem em seu próprio idioma, sem qualquer interferência ou contaminação de regras e estruturas do português. Isso permitiu aos pesquisadores analisar especificamente o modo como eles trabalhavam os artigos definidos e indefinidos “Parte da equipe de pesquisadores é composta por indígenas, que também são professores dessas línguas em suas comunidades e isso nos ajudou a criar vínculos com as comunidades e a documentar essas línguas”, comenta Oliveira.

Os pesquisadores têm verificado que esse fenômeno é bastante diverso nas línguas indígenas brasileiras: o terena, por exemplo tem dois artigos definidos e aceita nominais nus, ao passo que o wapishana, o kaiowá e o rikbaktsa são o que os especialistas chamam de línguas nuas, isto é, não têm artigos. “Também verificamos que algumas línguas constroem sentenças genéricas de uma maneira completamente diferente do português”, destaca Oliveira. “Até então, não existia nenhum dado ou registro sobre a existência de sentenças genéricas no rikbaktsa.”

Assim, no rikbaktsa, a frase Anta come fruta significa que uma anta específica está comendo uma fruta naquele momento. “Para fazer o genérico nessa língua, temos de montar uma estrutura que não existe no português: Anta é comedor de fruta.” 

De acordo com Oliveira, investigar as estruturas linguísticas de línguas pouco conhecidas e estudadas é importante não apenas para compreender como elas funcionam, “mas também porque nos permite revitalizá-las, evitando que desapareçam”, afirma.

Sobre o projeto:

O projeto “A (In)Definitude da perspectiva das línguas sub-representadas” foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: Roberta Pires de Oliveira (UFSC)