Interesse e confiança na ciência seguem altos no Brasil

Conclusão consta da sexta edição da pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil, lançada dia 15 de maio em Brasília.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

As campanhas de desinformação e os ataques ao conhecimento científico e às instituições de ensino e pesquisa do país nos últimos anos não parecem ter abalado o interesse dos brasileiros por assuntos de ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente, tampouco sua confiança em médicos e pesquisadores.

É o que mostra a sexta rodada da pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil 2023, desenvolvida pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em colaboração com o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Os pesquisadores entrevistaram 1.931 indivíduos com mais de 16 anos de idade de todas as regiões do país entre os dias 14 de novembro e 3 de dezembro de 2023. Os resultados, divulgados no dia 15 de maio, em Brasília, indicam que a confiança da população em médicos e cientistas de universidades ou institutos públicos de pesquisa se manteve alta, apesar de uma ligeira queda em relação aos números de 2019. O grau de confiança em médicos foi de 0,72 — 0,13 a menos do que o registrado no levantamento anterior. Já o grau de confiança em cientistas de universidades ou institutos públicos de pesquisa foi de 0,66 (em 2019, esse número foi de 0,83).

Os resultados indicam ainda que o interesse da população por assuntos de C&T, saúde e meio ambiente em 2023 se manteve estável. Ao todo, 60,3% dos entrevistados afirmaram se interessar por C&T; em 2019, esse percentual foi de 61%. Outros 77,9% disseram se interessar por medicina e saúde, 1% a menos do que o registrado em 2019. Da mesma forma, 76,2% disseram ter interesse em assuntos de meio ambiente, 0,2% a mais do que o registrado na edição anterior.

“Parece haver uma tendência de estabilidade no interesse da população brasileira por temas de C&T em patamares altos e superiores aos registrados nos Estados Unidos e países da União Europeia”, diz o sociólogo e físico italiano Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores do estudo. “Os brasileiros não estão tão distantes da ciência, apesar das campanhas de desinformação e ataques a universidades e pesquisadores nos últimos anos.”

No estudo, os autores também verificaram que a pandemia parece ter contribuído para dar mais visibilidade a cientistas e instituições de pesquisa. “O percentual de indivíduos que dizem se lembrar de alguma instituição ou do nome de algum cientista brasileiro sempre foi muito baixo, mas isso parece ter mudado durante a pandemia”, comenta Castelfranchi. Entre 2019 e 2023, o contingente daqueles que afirmam conhecer alguma instituição de pesquisa subiu de 9,1% para 17,9%, ao passo que o percentual dos que afirmam saber o nome de algum cientista saltou de 6,6% para 9,6%. O geofísico Sérgio Sacani, youtuber conhecido como Serjão dos Foguetes, foi o nome mais lembrado, seguido de Alberto Santos-Dumont (1873-1932) e de Marcos Pontes, ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Na avaliação de Castelfranchi, esse aumento resultaria do esforço de comunicação de instituições de ensino e pesquisa, jornalistas e divulgadores científicos para informar a população sobre estratégias de prevenção e combate ao novo coronavírus durante a emergência sanitária.

Ao observar os hábitos culturais da população, o levantamento também identificou um aumento nas taxas de frequência da população a zoológicos, parques ambientais e jardins botânicos (de 24,0%, em 2019, para 32,7%, em 2023). Também registrou um crescimento nas taxas de visitação a museus de C&T, de 6,3%, em 2019, para 11,5%, em 2023. No entanto, a taxa de visitação a esses espaços ainda está ligada à renda e ao nível de escolaridade de quem os frequenta — quem visita esses espaços tende a ter mais renda e educação superior —, sinalizando uma desigualdade no acesso ao direito ao conhecimento.

Outro dado que se manteve constante nos últimos anos, mas que em 2023 apresentou uma perspectiva menos favorável, diz respeito ao otimismo da população em relação à C&T. No estudo de 2023, 66,2% dos entrevistados afirmaram que a ciência e tecnologia trazem apenas benefícios ou mais benefícios do que malefícios para a humanidade, queda de 5,9% em relação a 2019. “Apesar dessa redução, a visão otimista sobre a ciência ainda predomina na sociedade brasileira”, destaca Castelvecchi. 

Já a percepção neutra dos entrevistados aumentou de 18,9% para 24,6% em 2023, considerando respostas que indicam que a ciência e tecnologia trazem tanto benefícios quanto malefícios. Segundo o sociólogo e físico italiano, é possível que isso seja um resultado da polarização e da radicalização política que se abateu sobre o país durante a pandemia.

A percepção dos brasileiros sobre a qualidade da ciência nacional voltou a ser mais otimista. Em 2023, aproximadamente metade dos entrevistados classificou a ciência brasileira como “intermediária” (34,9%) ou “avançada” (14,6%), enquanto 45,7% a considera “atrasada”.

Desinformação científica 

Ao analisar a confiança percebida pelo público em relação às fontes de informação, os autores verificaram que existe uma tendência em buscar validação por meio de múltiplas fontes. Ao menos 40% dos entrevistados disseram que só acreditam em uma informação se ela for corroborada por outras fontes, independentemente da natureza da fonte original. Esse percentual é maior quando a fonte de informação é uma empresa privada (62,3%).

Os brasileiros também tendem a achar que a informação, em geral, é verdadeira quando ela parte de pessoas ou instituições que eles admiram (42,3%), enquanto suspeitam da veracidade de informações provenientes de pessoas ou instituições das quais discordam (45,6% suspeitam que são falsas).

De modo geral, a pesquisa identificou um cenário preocupante quanto à disseminação de desinformação científica: 5 a cada 10 brasileiros relatam se deparar frequentemente com notícias que parecem falsas (50,8%). Outros dados também despertam preocupação: 10% dos entrevistados acredita que as tecnologias de vacina podem ter um impacto negativo na sociedade, enquanto 20% acredita que as mudanças climáticas têm causas naturais. Também quase 10% dos entrevistados confessou já ter compartilhado conteúdo duvidoso, mesmo suspeitando que ele fosse falso.

Pesquisas de percepção pública da ciência vêm sendo realizadas desde a década de 1980 em diversos países. O objetivo é conhecer a visão e o interesse das populações sobre ciência e tecnologia, e contribuir com o aprimoramento de ações de popularização e educação da ciência, bem como a formulação de políticas públicas nesse campo. Os dados de cada país permitem aos pesquisadores fazer comparações com estudos anteriores, nacionais e internacionais, e avaliar como eles mudaram ao longo do tempo.

Clique aqui para acessar a pesquisa na íntegra.

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Foto Banner/Capa: Jeferson Mendonça

Fotos internas: Washington Castilhos e Stefanie Oliveira – Equipe Humanamente (Imagens feitas na Exposição “Vida e Saúde (In)visíveis” que está sendo realizada pelo Museu da Vida/Fiocruz)