Em defesa de uma ética própria para as Humanidades

Em Consulta Pública, pesquisadores das Humanidades reivindicam uma regulação ética específica e mais adequada

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Por Washington Castilhos

O Fórum de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (FCHSSLLA) está conduzindo uma Consulta Pública sobre o documento “Diretrizes para a ética na pesquisa e a integridade científica”, realizada por meio de um formulário online e disponível até o dia 15 de julho. 

O documento apresenta diretrizes para orientar sobre cuidados e procedimentos éticos em pesquisas com seres humanos, de acordo com aquilo que os pesquisadores das áreas vinculadas ao Fórum pensam sobre uma ética para as Humanidades. 

O problema, apontam esses pesquisadores, é que no Brasil todo o sistema de avaliação ética tem sido regulado pelo Ministério da Saúde, a partir de uma visão biomédica. O órgão criou, em 1996, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), responsável por coordenar uma rede de Comitês de Ética (CEPs) implementados em instituições científicas que desenvolvam pesquisas com seres humanos.  

No país, qualquer pesquisa envolvendo seres humanos deve ser regulamentada pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), também vinculado ao Ministério da Saúde.  

No documento submetido à Consulta Pública, os cientistas argumentam que, deste modo, a legislação nacional acabou por fortalecer um sistema de avaliação que não dialoga com os procedimentos éticos e metodológicos inerentes às pesquisas das grandes áreas que compõem a CHSSALLA (ciências humanas, sociais, sociais aplicadas, linguística, letras e artes). 

“O sistema desconsidera as peculiaridades do fazer científico das humanidades”, afirma Frederico Garcia Fernandes, coordenador do Fórum e professor associado do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina. Segundo ele, a Conep faz um processo apenas de aprovação do projeto, “mas a ética é algo maior, é um elemento estruturante da pesquisa, que deve ser pensada ao longo do estudo”, complementa. 

O documento começa por apontar motivos pelos quais o sistema se mostra inadequado, com problemas que emperram o processo, como a burocratização, a morosidade, a indicação de pendências variadas e a apresentação de exigências desnecessárias. 

As exigências, pautadas no campo da pesquisa biomédica, envolvem perguntas sobre resultados primários e resultados secundários do estudo, ou sobre benefícios e riscos da pesquisa. 

“Quais riscos existem quando, em um estudo da área de Letras, vamos entrevistar um escritor que vai falar sobre sua obra?”, questiona o coordenador do Fórum.

Outra questão, segundo ele, é em relação ao registro de consentimento do participante, uma vez que há casos em que isto poderia não se aplicar, como por exemplo no caso de uma pesquisa sociológica de campo com traficantes, ou nas chamadas “pesquisas encobertas”, justificadas em circunstâncias nas quais a informação sobre objetivos e procedimentos alteraria o comportamento dos sujeitos participantes. 

O documento apresenta então as diretrizes, divididas em dois momentos, começando pelos direitos das pessoas participantes das pesquisas. Entre esses princípios estão a garantia do respeito à privacidade e à confidencialidade de suas informações pessoais, e o direito ao acesso às informações básicas sobre a pesquisa e aos resultados do estudo.

Em seguida são enumerados os compromissos dos cientistas e suas equipes, como a responsabilização na divulgação dos dados, a honestidade científica, o combate ao plágio, ao autoplágio e à fabricação de dados, a popularização da ciência e a prestação de contas.

A ideia é que os pesquisadores avaliem as diretrizes, façam sugestões e proponham eventuais correções. O documento final será submetido à aprovação do conselho do Fórum e ganhará ampla divulgação entre diversas instituições, incluindo as agências de fomento e as sociedades e associações científicas, além dos Ministérios da Educação (MEC) e o da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

“Sabemos da importância do sistema CEP/Conep para as biomédicas, mas existem pesquisas em seres humanos e pesquisas com seres humanos”, observa Frederico Fernandes.

Para o pesquisador, é preciso diferenciar entre pesquisas invasivas, que compreendem uma ação do cientista no corpo da outra pessoa, e aquelas que apresentam os sujeitos como protagonistas. “Entendemos esse corpo como uma voz, daí a necessidade de uma ética própria para as humanidades”, finaliza.

Fundado em 2013 e atualmente composto por 51 entidades, o FCHSSLLA vem lutando pela criação de uma regulação ética específica e mais adequada às áreas do Fórum, desvinculada da Saúde e do Sistema CEP/Conep. Tem entre seus desafios atuais o acompanhamento da tramitação do PL 7.082/2017. O projeto de lei, que se encontra em regime de urgência para votação na Câmara Federal, dispõe sobre a pesquisa clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, o que mostra como o texto da proposição foi todo pensado para as áreas biomédicas.

Participe da Consulta Pública.