Exposição a agrotóxicos aumenta risco de tumores de mama mais agressivos

Conclusão baseia-se em estudo feito na região rural do Paraná com mais de mil mulheres. Agora, os pesquisadores vão investigar as formas de exposição de famílias inteiras a essas substâncias e seus níveis de contaminação

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Os agrotóxicos já foram associados ao desenvolvimento de cânceres — entre eles de próstata, linfoma não Hodgkin, leucemia e melanoma cutâneo —, a problemas do sistema reprodutor, doenças neurológicas, desordens mentais, alterações endócrinas e até complicações cardiovasculares. Mais recentemente, pesquisadores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Francisco Beltrão, verificaram que a exposição ocupacional crônica a esses produtos também está relacionada à ocorrência de tumores de mama mais agressivos.

A conclusão consta de um estudo desenvolvido pela bioquímica Carolina Panis e pelo médico oncologista Daniel Rech com mais de mil mulheres diagnosticadas com a doença no Hospital do Câncer de Francisco Beltrão (Ceonc), no Sudoeste do Paraná. A região, composta por 27 municípios, tem uma alta incidência de casos de câncer de mama: 41,4% — 14% superior a do restante do Brasil e 17% acima da registrada no próprio estado do Paraná.

Na pesquisa, eles e outros dois pesquisadores da Unioeste, os geógrafos Luciano Candiotto e Shaiane Carla Gaboardi, desenvolveram um instrumento de coleta de dados que lhes permitiu detalhar os hábitos de vida e trabalho das mulheres atendidas no Ceonc. Constataram que muitas trabalhavam em lavouras de soja e milho como ajudantes de aplicadores de agrotóxicos, e tinham algum tipo de contato com essas substâncias durante a descontaminação de seus equipamentos de proteção, como luvas, máscaras e óculos — os agrotóxicos costumam ser pulverizados manualmente sobre as lavouras ou com tratores.

Os cientistas então coletaram amostras de urina dessas pacientes. A maioria apresentava em seu organismo traços de três dos herbicidas mais usados no Brasil: o glifosato, o 2,4-D e a atrazina. “As análises nos permitiram verificar que, do ponto de vista estatístico, as mulheres expostas a agrotóxicos têm mais chance de desenvolver câncer de mama”, destaca Panis. “E as que desenvolvem a doença têm mais risco de ter metástase.”

Os resultados do estudo somam-se a um conjunto de indícios apontando os possíveis danos à saúde decorrentes do uso e da exposição aos agrotóxicos — de acordo com o Ministério da Saúde, são consideradas expostas a pesticidas as pessoas que entram em contato com esses produtos em função de suas atividades laborais ou da utilização doméstica ou acidental.

Os pesquisadores agora querem ir além. Em projeto aprovado recentemente em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Luciano Candiotto — da equipe de Panis e Rech — pretende investigar as formas de exposição a agrotóxicos e os níveis de contaminação de famílias inteiras vivendo na região rural do Sudoeste do Paraná. A ideia é realizar entrevistas e fazer análises de amostra de urina e da água consumida por 200 moradores, de modo a avaliar seu grau de exposição ao glifosato, ao 2,4-D e à atrazina.

Todos esses herbicidas são liberados para uso no Brasil. No entanto, explica Candiotto, as concentrações máximas permitidas aqui são muito superiores às de outros países. “Na Europa, a concentração máxima para o 2,4-D é de 0,1 micrograma [µg] por litro d’água, ao passo que no Brasil esse número é da ordem de 30 µg”, destaca o pesquisador. “Da mesma forma”, ele diz, “para o glifosato, a concentração máxima autorizada pela União Europeia é de 0,1 µg por litro d’água; no Brasil, esse número é de 500 µg” A atrazina sequer é liberada na Europa, assim como cerca de 30% dos agrotóxicos lançados nas lavouras nacionais.

Há algum tempo o glifosato está no radar das autoridades brasileiras. Em agosto de 2018, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, em decisão liminar, o registro do produto no país até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluísse o processo de reavaliação toxicológica, que se arrasta desde 2008 — no início de setembro, no entanto, a liminar foi cassada. Na França e na Califórnia, nos Estados Unidos, as pressões para banir o produto são constantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a classificá-lo como “provavelmente carcinogênico para seres humanos” em 2015, mas voltou atrás no ano seguinte. A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) ainda mantém essa classificação.

Além de estarem presentes na urina de mulheres da região, os pesquisadores da Unioeste também identificaram resíduos de algumas dessas substâncias em amostras de águas de abastecimento público. “Agora, no projeto aprovado pelo CNPq, pretendemos avaliar os impactos disso em mais pessoas, mulheres, homens, jovens e idosos, para saber qual a extensão desse problema.” Eles já começaram a coleta das amostras. O objetivo é que os resultados subsidiem a discussão de políticas públicas de saúde e chamem a atenção da sociedade e dos gestores para esse problema, “de modo que possamos discutir o que pode ser feito em termos de redução das concentrações ou até mesmo restrição de uso de alguns deles”, afirma.

Em décadas passadas, estudos científicos contribuíram para a proibição dos agrotóxicos formulados com compostos organoclorados, sendo o mais conhecido o dicloro difenil tricloroetano (DDT), utilizado em larga escala até os anos 1970 e cuja autorização para uso no Brasil foi cancelada em 1985. Essas substâncias permanecem muito tempo no ambiente, atuam no sistema nervoso central e podem causar graves lesões hepáticas e renais. Também foram associadas a um risco aumentado de câncer de mama e de outros tipos de tumores.

O Brasil bateu recorde de agrotóxicos aprovados para uso em 2022. Foram 652, maior número registrado pela série histórica da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. Ao todo, entre 2019 e 2022, o governo de Jair Bolsonaro liberou 2.182 agrotóxicos — incluindo fungicidas, inseticidas e herbicidas —, o maior número para uma gestão presidencial desde 2003. No mesmo período, o país contabilizou mais de 14 mil casos de intoxicação aguda por essas substâncias, segundo levantamento da Agência Pública e do Repórter Brasil, com dados do sistema de notificações do Ministério da Saúde.

Sobre o projeto

O projeto Monitoramento de Famílias Expostas a Agrotóxicos como Ferramenta Metodológica para a Elaboração de Políticas Públicas de Saúde foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Luciano Zanetti Pessôa Candiotto (Unioeste)