Os pesquisadores agora querem ir além. Em projeto aprovado recentemente em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Luciano Candiotto — da equipe de Panis e Rech — pretende investigar as formas de exposição a agrotóxicos e os níveis de contaminação de famílias inteiras vivendo na região rural do Sudoeste do Paraná. A ideia é realizar entrevistas e fazer análises de amostra de urina e da água consumida por 200 moradores, de modo a avaliar seu grau de exposição ao glifosato, ao 2,4-D e à atrazina.
Todos esses herbicidas são liberados para uso no Brasil. No entanto, explica Candiotto, as concentrações máximas permitidas aqui são muito superiores às de outros países. “Na Europa, a concentração máxima para o 2,4-D é de 0,1 micrograma [µg] por litro d’água, ao passo que no Brasil esse número é da ordem de 30 µg”, destaca o pesquisador. “Da mesma forma”, ele diz, “para o glifosato, a concentração máxima autorizada pela União Europeia é de 0,1 µg por litro d’água; no Brasil, esse número é de 500 µg” A atrazina sequer é liberada na Europa, assim como cerca de 30% dos agrotóxicos lançados nas lavouras nacionais.
Há algum tempo o glifosato está no radar das autoridades brasileiras. Em agosto de 2018, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, em decisão liminar, o registro do produto no país até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluísse o processo de reavaliação toxicológica, que se arrasta desde 2008 — no início de setembro, no entanto, a liminar foi cassada. Na França e na Califórnia, nos Estados Unidos, as pressões para banir o produto são constantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a classificá-lo como “provavelmente carcinogênico para seres humanos” em 2015, mas voltou atrás no ano seguinte. A Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) ainda mantém essa classificação.
Além de estarem presentes na urina de mulheres da região, os pesquisadores da Unioeste também identificaram resíduos de algumas dessas substâncias em amostras de águas de abastecimento público. “Agora, no projeto aprovado pelo CNPq, pretendemos avaliar os impactos disso em mais pessoas, mulheres, homens, jovens e idosos, para saber qual a extensão desse problema.” Eles já começaram a coleta das amostras. O objetivo é que os resultados subsidiem a discussão de políticas públicas de saúde e chamem a atenção da sociedade e dos gestores para esse problema, “de modo que possamos discutir o que pode ser feito em termos de redução das concentrações ou até mesmo restrição de uso de alguns deles”, afirma.
Em décadas passadas, estudos científicos contribuíram para a proibição dos agrotóxicos formulados com compostos organoclorados, sendo o mais conhecido o dicloro difenil tricloroetano (DDT), utilizado em larga escala até os anos 1970 e cuja autorização para uso no Brasil foi cancelada em 1985. Essas substâncias permanecem muito tempo no ambiente, atuam no sistema nervoso central e podem causar graves lesões hepáticas e renais. Também foram associadas a um risco aumentado de câncer de mama e de outros tipos de tumores.
O Brasil bateu recorde de agrotóxicos aprovados para uso em 2022. Foram 652, maior número registrado pela série histórica da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. Ao todo, entre 2019 e 2022, o governo de Jair Bolsonaro liberou 2.182 agrotóxicos — incluindo fungicidas, inseticidas e herbicidas —, o maior número para uma gestão presidencial desde 2003. No mesmo período, o país contabilizou mais de 14 mil casos de intoxicação aguda por essas substâncias, segundo levantamento da Agência Pública e do Repórter Brasil, com dados do sistema de notificações do Ministério da Saúde.