Das favelas ao digital: a Internet como um caminho para a mobilidade social

Influenciadores digitais de periferias, que conquistaram notoriedade em suas redes sociais, podem ser inspiração para jovens de camadas populares.

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Por Aline Weschenfelder

O uso da internet, estimulado pelas redes sociais, pode permitir que jovens de baixa renda alcancem melhores condições socioeconômicas. Tal possibilidade foi um dos incentivos para a realização de uma pesquisa com foco em cenários digitais e na mobilidade social de jovens de classes populares que se tornaram influenciadores digitais.

Questões relativas ao consumo e à desigualdade social são temas que sempre estiveram presentes nos estudos de Carla Fernanda Pereira de Barros, professora no departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). O trabalho que a pesquisadora desenvolve atualmente está voltado para as possibilidades de mudança de classe social por meio do ambiente online, assim como ao uso que jovens de baixa renda fazem da internet, principalmente suas preferências por perfis de redes sociais e canais no YouTube.

O trabalho de jovens que tiveram as vidas transformadas por meio de seus perfis nas redes sociais será analisado com a intenção de entender em que medida seu faturamento é proveniente de suas práticas na internet.

Com base em seus estudos, Barros afirma que a melhora financeira e social desses jovens é inversa à verificada nas gerações anteriores.  “Vemos hoje a mãe semianalfabeta, e o filho na universidade”, ressalta.

Há menos de duas décadas, a ascensão social no Brasil começou a ganhar destaque com filhos de empregadas domésticas ingressando na universidade e conquistando novos espaços. Isso evidenciou o desequilíbrio cultural entre pais e filhos, além de questões relativas a valores e estilos de vida. Por essa razão, a antropóloga pretende comparar os ganhos dos influenciadores digitais com os de seus antecedentes.

De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em média são necessárias quatro ou cinco gerações para que pessoas de baixa renda consigam sair da pobreza. O Brasil está entre os países em que este intervalo é ainda maior, podendo levar até mais de nove gerações.

Segundo a coordenadora do projeto, as redes sociais podem representar um caminho para a ascensão econômica e social dessas pessoas, tendo em vista o sucesso que jovens influenciadores originários de comunidades vêm fazendo. Barros destaca os perfis Blogueira de Baixa Renda, Nath Finanças e Raphael Vicente – influenciadores originários do Morro do Banco, da periferia de Nova Iguaçu e do Complexo da Maré, respectivamente -, como referência entre aqueles que tiveram êxito. Para a investigadora, a receita do sucesso está no acesso à internet somado às habilidades técnicas e ao talento desses jovens.

Embora entenda que os influenciadores digitais que elegeu para observar sejam casos específicos, a pesquisadora espera entender “até que ponto o desequilíbrio socioeconômico pode ser enfrentado no Brasil por meio da experiência desses jovens”. Nessa perspectiva, com o estudo ela vai procurar saber como influenciadores digitais podem gerar uma outra situação para sua família, que vive em dificuldade financeira. De acordo com a antropóloga, “a internet pode estar proporcionando um novo lugar para essas pessoas”, observa.

No estudo ela também buscará compreender a mobilidade sob o ponto de vista das expectativas dos alunos do ensino médio, além de saber quais as perspectivas deles em relação ao seu lugar na sociedade, ao que têm direito e ao que podem alcançar.

A pesquisa será realizada em duas etapas, sendo que a primeira se ocupará da observação dos perfis dos influenciadores digitais. Na sequência, será feito o acompanhamento de estudantes do ensino médio de escolas de comunidades, com a finalidade de compreender suas perspectivas para o futuro, saber que profissão desejam seguir, ou se pretendem cursar uma faculdade.

Entre outros objetivos do projeto está a criação de Laboratório de Estudos sobre Desigualdade e Mobilidade Social, integrando diferentes instituições e áreas de conhecimento, com atividades voltadas a práticas pedagógicas que inspirem novas iniciativas educacionais. Também deverá ser proposto um convênio com a Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro, voltado à capacitação de jovens de grupos populares, por intermédio da Secretaria da Juventude (JUVRio), para a realização de cursos pensados a partir da investigação. Além disso, está prevista a realização de um seminário junto a gestores da Secretaria de Educação daquela cidade.

Sobre o projeto:

O projeto Cenários de inclusão digital e mobilidade social entre adolescentes e jovens de classes populares: trajetórias e futuros possíveis foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Carla Fernanda Pereira Barros (UFF)