Exclusão digital evidencia discriminação contra comunidades

Coletivos quilombolas de Minas Gerais pagam mais caro ou não possuem nenhum acesso à internet, segundo estudo da UFV.

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Por Aline Weschenfelder

De 38 comunidades quilombolas rurais e periféricas de Minas Gerais, 11 não têm acesso à internet; as que têm, pagam mais caro e recebem o serviço com qualidade inferior em relação às regiões urbanas do estado, segundo estudo feito por pesquisadores do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV). “A população quilombola rural precisa pagar aproximadamente R$ 2 mil para implementar um serviço de internet, além da taxa mensal à operadora”, diz a jornalista Ivonete da Silva Lopes, coordenadora do projeto. 

Grande parte dos moradores dessas comunidades também não possuem dispositivos eletrônicos ou habilidades para lidar com eles. “É preciso pensar em políticas de acesso dentro de uma perspectiva voltada às questões étnico-raciais, de classe, gênero e território”, ressalta.

Os problemas relacionados à conexão da internet em comunidades quilombolas ficaram ainda mais visíveis ao longo da pandemia da Covid-19. Durante o período de distanciamento social, populações mais vulneráveis, como a negra que vive em áreas mais distantes, tiveram de recorrer a terceiros para obter benefícios como o auxílio emergencial, pois não dispunham de meios tecnológicos para acessar esses serviços.

Na época, o grupo de pesquisa Meios: Comunicação, Instituições e Interações Sociais (MEIOS), também coordenado por Lopes, aplicou um questionário a 41 mulheres líderes quilombolas. Os pesquisadores queriam entender quais estratégias elas utilizavam para lidar com as limitações de acesso à informação naquele momento. 

As respostas estão servindo de base para análises mais detalhadas com as mesmas mulheres, aprofundando questões sobre gênero, racismo, liderança e acesso a Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). O trabalho atual abrange comunidades quilombolas de Minas Gerais e favelas do Rio de Janeiro.

oficina para criação de conteúdo digital realizada na comunidade quilombola córrego do meio. Foto: João Luca Pires

A opção por lideranças femininas como sujeitos do estudo se dá em razão da história e literatura envolvendo as comunidades quilombolas. Lopes explica que as mulheres sempre fizeram a ponte entre a comunidade e a esfera pública na luta por direitos. “Olhar para as lideranças femininas é olhar para o contexto todo”, diz.

Os resultados obtidos ainda são preliminares, mas os pesquisadores apontam que a discriminação afeta o acesso da população estudada às TICs. “Algumas comunidades quilombolas estão muito próximas dos centros urbanos e, mesmo assim, a internet não chega até elas”, afirma Lopes. “Por que pagar mais e ainda assim ter um serviço de qualidade inferior?”, questiona a pesquisadora.

Segundo a jornalista, os resultados da pesquisa dialogam com as informações nacionais divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística  (IBGE).

websérie "meios de prosa" disponível no youtube

A desproporção de acesso à internet revelada pela pesquisa é apenas mais uma desigualdade entre tantas outras.

A próxima etapa da pesquisa compreende a análise de dados a serem coletados nas favelas do Rio de Janeiro, também apurados a partir de entrevistas com lideranças femininas. Essa fase deve estar concluída até julho e, durante o segundo semestre, uma comparação será feita entre as informações obtidas nos dois estados.

Entre os produtos decorrentes da investigação estão o documentário “Mulheres do Quilombo” e a websérie “Meios de Prosa”, que em sua primeira temporada trata sobre lideranças femininas quilombolas. Os pesquisadores também ofereceram oficinas de fotografia e aplicativos voltados à criação de conteúdo digital para as poucas mulheres que possuem acesso à internet, nas comunidades quilombolas do Buieié, localizada em Viçosa, e Córrego do Meio, que fica no município de Paula Cândido, ambas em Minas Gerais. A atividade tem como objetivo ampliar as habilidades para o empreendedorismo – como a venda de alimentos e artesanato – e melhorar a comunicação interna das comunidades.

Contribuem com a pesquisa o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Dicionário de Favelas Marielle Franco, plataforma virtual que funciona de forma colaborativa e reúne conhecimento sobre as favelas e periferias em formato de verbetes.

Sobre o projeto:

O projetoDos quilombos às favelas: mulheres negras, interseccionalidade e acesso às tecnologias da informação e comunicação” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora:  Ivonete da Silva Lopes  (UFV)