Cientistas negros e mulheres continuam subrepresentados em telejornais

Pesquisadores apontam que a mídia fortalece o estereótipo da branquitude como fonte de saber

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Por Stefanie Oliveira

Cientistas negros e mulheres ainda são subrepresentados em programas televisivos, de acordo com um estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), sediado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisou o perfil dos cientistas entrevistados no Fantástico, da Rede Globo, e Domingo Espetacular, da Record TV, entre março de 2020 a agosto de 2021, período em que o mundo era assolado pela pandemia.

Eles analisaram 48 reportagens, nas quais 67 cientistas foram ouvidos. A maioria (61,3%) eram homens brancos e apenas 29% mulheres, nenhuma preta ou parda. Das matérias analisadas, 33% entrevistaram apenas cientistas homens e 17% apenas mulheres. A pesquisa foi realizada por meio de consulta aos acervos dos dois programas na internet.

A televisão alcança 95,5% dos lares brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a representatividade visual em produtos midiáticos é determinante para gerar identificação com o campo científico. “A inclusão de diferentes perfis de cientistas no jornalismo televisivo possibilitaria a aproximação do público com a ciência, principalmente no que se refere a grupos minoritários”, diz Amanda Medeiros, pesquisadora do INCT-CPCT e uma das autoras do estudo, publicado em junho na revista Contracampo.

“O que percebemos em nosso estudo é que de cada dez cientistas entrevistados, nove eram brancos. O décimo não era homem branco, mas também não era necessariamente negro. O cientista poderia ser amarelo, preto ou pardo”, explica Daniel Damasceno, pesquisador do INCT-CPCT e principal autor do estudo.

A exclusão de negros e mulheres como porta-vozes da ciência está atrelada a um estereótipo criado pela mídia, e que desde a década de 1950 reforça no imaginário social a imagem do cientista como um homem branco e de meia-idade. Segundo os pesquisadores, a reafirmação desse estereótipo no jornalismo televisivo pode ter impacto na sociedade, levando à falta de interesse do telespectador na profissão e no campo científico. 

“Os cientistas que aparecem na mídia são sempre brancos, homens e de meia-idade. Como uma menina que está no ensino fundamental se identificará com a ciência? Como uma menina negra de região periférica e que mal tem acesso à tecnologia se enxergaria como cientista?”, questiona  Medeiros. “A tendência é que as pessoas se interessem por um assunto que é dito por alguém com quem elas se identifique”, afirma a pesquisadora.

A nova pesquisa corrobora os resultados de estudos anteriores sobre a representação de cientistas em telejornais, os quais apontam para uma construção discursiva que remete a um universo científico majoritariamente masculino, com protagonistas brancos e de meia idade, reforçando assim hierarquias e estereótipos.

O impacto social de tais estereótipos criados pela mídia se reflete na percepção dos jovens sobre a ciência, como mostram os resultados da segunda edição da pesquisa “O que os jovens brasileiros pensam da ciência e da tecnologia”,  realizada em 2024 pelo INCT. No estudo, que envolveu 2.276 indivíduos de todas as regiões do país, um dos nomes mais citados pelos participantes – quando questionados sobre o conhecimento de algum cientista – foi o de Albert Einstein (1879-1955). O dado indica o quanto o imaginário social “ainda está distante de uma ciência real”, conforme apontam os autores do estudo em vídeo recentemente publicado aqui no Humanamente.

Para mudar essa tendência, os pesquisadores afirmam que é preciso investir em ações antirracistas e igualitárias dentro e fora dos espaços de produção de ciência, e também que as assessorias de imprensa de instituições de ensino e pesquisa – responsáveis pela indicação das fontes aos jornalistas – trabalhem em estratégias para ampliar a  representatividade de pesquisadores de diferentes etnias e mulheres,  tornando-os mais acessíveis e visíveis aos veículos de imprensa.

Sobre o estudo:

O artigo “Injustiça epistêmica e reafirmação de estereótipos: a representação do cientista no Fantástico e Domingo Espetacular durante a pandemia da Covid-19”, assinado por pesquisadores do INCT-CPCT/Fiocruz, foi publicado na revista Contracampo.

 

Imagem capa: Freepik