As contradições por trás do pedágio

Análise das concessões de rodovias em São Paulo evidencia que repasse do imposto embutido nas tarifas beneficia municípios atravessados pelas estradas, mas quem paga a conta são os usuários provenientes de outras cidades, especialmente aquelas situadas em uma mesma região.

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Por Alessandra Ribeiro

A concessão de rodovias para empresas pode gerar desequilíbrio tributário entre municípios situados em uma mesma região, uma vez que nem todos são beneficiados com a arrecadação proveniente da cobrança do pedágio. O alerta é de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que analisam as concessões rodoviárias no estado de São Paulo e seus impactos geográficos, a partir de dados do Portal da Transparência do governo estadual e da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp).

Os contratos estabelecem que as empresas concessionárias repassem 5% do valor bruto das receitas obtidas com o pedágio para os municípios atravessados pelas estradas, por meio do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), que é destinado a 317 municípios cortados pelas rodovias estaduais sob concessão – isso abrange menos da metade das 645 prefeituras paulistas. A verba é proporcional à extensão do trecho com pedágio em cada cidade e pode ser investida em áreas como saúde, segurança, educação ou infraestrutura. 

Para as prefeituras contempladas, passou a ser um bom negócio. A questão é: quem é tributado? Não é a população do município beneficiado, mas quem está passando por lá, de outra cidade. Esta conta está sendo paga por uma população externa, que contribui com o ISSQN sem sequer morar nesses municípios”, questiona o pesquisador Fabrício Gallo, coordenador do estudo e professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Unesp.

Segundo dados do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e da Artesp, o território de São Paulo tem 835 rodovias. Dos 22 mil quilômetros de rodovias estaduais, mais da metade (11,2 mil quilômetros) são administrados por 20 empresas concessionárias. Trata-se do estado brasileiro com maior quilometragem concedida à iniciativa privada. 

Outra questão levantada pelos pesquisadores é o destino da maior parte do dinheiro arrecadado em um negócio extremamente lucrativo para as empresas, muitas delas subsidiárias de fundos de investimento e de multinacionais que transferem esses recursos para outros países.

“O debate central é para onde o dinheiro está indo. É sobre como o sistema financeiro suga esse dinheiro que poderia estar na esfera do Estado e, assim, beneficiar a população”, observa Gallo. 

O pesquisador destaca que os contratos de concessão podem durar até três décadas, com investimentos na infraestrutura das rodovias somente no período inicial. Além disso, há possibilidade de revisão contratual para que as empresas não tenham prejuízos. Assim, os riscos acabam sendo assumidos pelo próprio Estado.

Em artigo publicado na Revista Eletrônica de Geografia Observatorium, os pesquisadores apontam impactos territoriais e tributários das concessões de rodovias e do pagamento de pedágio nos municípios da Região Metropolitana de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

Distorções

O pesquisador Dimas Alberto Gazzola Palhares, professor do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que não participa do projeto, concorda que existe um desequilíbrio tributário provocado pelo repasse do ISSQN, o qual “pode e deve ser corrigido nos atuais contratos de concessões praticados no Brasil”. 

Ele aponta outras distorções, como a cobrança do pedágio integral, independentemente do trecho percorrido pelo usuário, desconsiderando a possibilidade do pagamento proporcional à quilometragem efetivamente utilizada da via. “Este modelo favorece a empresa concessionária e sobretaxa o usuário da via pela cobrança de um serviço não utilizado por ele”, observa.

O pesquisador da UFMG também ressalta que os planos de investimentos por parte das concessionárias priorizam as obras de implantação das praças de pedágio, sem aporte simultâneo de parcela significativa do montante inicial para obras de melhorias das rodovias.

“Os investimentos realizados nos primeiros anos são marginais, muito abaixo da receita inicial arrecadada e do necessário para iniciar a melhoria mais rápida das condições da rodovia”, afirma. Ele explica que, na prática, tais recursos são mais voltados para ações emergenciais de manutenção, como capina, tapa-buracos, recapeamento de trechos críticos e sinalização horizontal, e não para ações estruturais mais duradouras e definitivas.

Segundo ele, o caminho seria a revisão dos atuais modelos de licitações e dos contratos de concessões, no sentido de eliminar pontos negativos já detectados com as experiências realizadas. “Faltam critérios mais claros, rigorosos, efetivos e de garantia nos contratos para o alongamento dos prazos de concessão, bem como para a aplicação de penalidades no caso de descumprimento contratual e para investimentos não previstos que impliquem no reajuste do valor do pedágio”, afirma. 

Na análise do especialista, o desafio será “equacionar os modelos para atender às necessidades de melhoria da maioria das rodovias brasileiras que não têm atratividade pela ótica do negócio econômico dos investidores privados e fundos de investimento”, conclui

Por outro lado, a despeito dos problemas constatados, Palhares considera que a privatização das estradas no Brasil contribui para que o Estado redirecione seus investimentos em setores prioritários, atendendo às principais demandas da população. “Embora de forma localizada, as concessões têm permitido acelerar a recuperação e manutenção de uma pequena parcela das rodovias brasileiras, melhorando o índice percentual de quilômetros da malha rodoviária com classificação de boa qualidade de nível de serviço para os usuários, a cada ano”, reconhece.

Sobre o projeto:

O projeto “Interpretações geográficas das concessões rodoviárias: da participação de agentes financeiros aos repasses de ISSQN aos municípios lindeiros às rodovias” foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenação: Fabricio Gallo (Unesp)

Imagem da capa: Agência Brasil