Empreendedorismo social para a reconstrução pós-tragédia

Pesquisadores trabalham com comunidades locais de Brumadinho para reduzir sua dependência da mineração e explorar outros potenciais econômicos, como o turismo, o artesanato e o comércio.

Notícias

Por Rodrigo de Oliveira Andrade

O rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, deixou 272 mortos e um rastro de destruição ambiental. No dia 25 de janeiro de 2019, 12 milhões de metros cúbicos de uma lama escura invadiu o rio Paraopeba e seguiu ao longo de 400 quilômetros arrastando prédios e pontes, destruindo máquinas e engolindo pessoas. Ao todo, 26 municípios e 131 comunidades foram afetadas, incluindo povos indígenas e quilombolas.

Para além dos impactos humanos, a tragédia de Brumadinho também afetou a dinâmica econômica da região, sobretudo a agricultura e o turismo. Pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) estão tentando reverter esse problema, trabalhando em parceria com comunidades locais para reduzir a dependência da mineração e explorar outros potenciais econômicos da cidade, como o turismo, o artesanato e o comércio.

“Nosso projeto visa apoiar a população de Brumadinho na sua luta por direitos, no contexto de reconstrução do território, reparação e promoção de justiça ambiental e econômica”, destaca Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, professor do Programa de Pós-graduação em Administração da PUC Minas e pesquisador das áreas de gestão social, sustentabilidade e administração pública.

Ao lado de colegas do Programa de Extensão Saberes e Inovação pela Sustentabilidade (SABIÁS), ele tem trabalhado com a comunidade do Quilombo Ribeirão, com o povo indígena Xukuru-Kariri e com a cooperativa de catadores de materiais recicláveis de Brumadinho, auxiliando-os no desenvolvimento de atividades econômicas alternativas, desvinculadas da mineração. 

“No caso do Quilombo Ribeirão, a ideia é ajudá-los a estruturar e colocar em prática o turismo sustentável de base comunitária, no qual a própria comunidade organiza e presta serviços para os visitantes, guiando-os pelo local, levando-os para pescar, conhecer a roça, oferecendo-lhes hospedagem, alimentação, entre outros serviços”, diz a geógrafa Amanda Ribeiro Carolino, uma das integrantes do projeto.

Os pesquisadores também têm auxiliado a comunidade no desenvolvimento de mapas de seu território. “Usamos uma metodologia participativa chamada cartografia social”, diz Amanda. Em vez de informações técnicas, os mapas sociais são construídos de forma participativa e com base no cotidiano das comunidades. Neles, são colocados espaços de roça, rios, lagos, casas, unidades de saúde, escolas e outros elementos que as populações envolvidas considerem importantes.

Esse tipo de mapeamento costuma ser utilizado por povos tradicionais para tentar fazer valer seus direitos frente a grandes empreendimentos, problemas relacionados à grilagem de terras e ao não cumprimento de dispositivos legais que dizem respeito à delimitação de terras indígenas, à titulação de territórios quilombolas e à regularização fundiária de territórios caiçaras.

Mais recentemente, o grupo de Teodósio passou a se articular para estabelecer uma parceria institucional entre a comunidade Quilombo Ribeirão e a PUC Minas para que eles possam expor e vender seus artesanatos e outras produções na Feira de Economia Solidária que a universidade promove todos os anos.

Também a mineradora Vale, na tentativa de reparar a tragédia de 2019, tem promovido uma série de editais para selecionar projetos sociais de fomento à cultura local. “O problema é que muitas comunidades têm dificuldade para escrever e submeter seus projetos para avaliação, de modo que procuramos auxiliá-los nesse sentido também”, destaca Amanda, ressaltando que essas e outras demandas sempre partem das próprias comunidades. “Isso implica muito respeito e diálogo com as pessoas para que possamos entender seu contexto, seus problemas e suas necessidades, e como podemos ajudá-los”, completa a geógrafa.

FOTO: Amanda Ribeiro Carolino

Com o povo indígena Xukuru-Kariri, o contato é mais recente. “Estamos trabalhando com eles na construção de escolas indígenas no próprio território e no desenvolvimento da agricultura familiar”, afirma Armindo Teodósio, acrescentando que a comunidade já consegue produzir mais de 3 mil pés de alface orgânicos por mês. “A mineração tem essa característica de invisibilizar outras formas de ser e existir nos territórios. Não por acaso, muitas pessoas em Brumadinho têm dificuldade para enxergar um horizonte no qual a mineração não seja o principal motor da economia local”, afirma.

De um modo geral, o que os pesquisadores têm observado na região é o estabelecimento de uma indústria da reconstrução, a qual levou para Brumadinho uma série de atores que até então nunca haviam estado lá. “Estamos falando de grupos e movimentos sociais, grupos de pesquisa, consultorias de vários tipos que se estabeleceram na região para estudar os impactos da tragédia, auxiliar a população na sua luta por direitos ou assessorar a Vale no seu processo de reparação”, diz Teodósio.

Essa movimentação, segundo ele, pode despertar e potencializar as capacidades locais de regeneração e reconstrução. Muitas vezes, no entanto, também pode contribuir para o estabelecimento de uma relação desigual e hierárquica, na qual atores externos tentam impor suas ideias e modelos de gestão, desconsiderando a realidade, as necessidades e ambições dos grupos locais.

Sobre o projeto: 

O projeto “Inovação social para a promoção do empreendedorismo social: um estudo no contexto do pós-tragédia de Brumadinho/MG” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (PUC Minas)