A relação entre posição social e bullying nas escolas brasileiras

Estudantes mais abastados tendem a praticar mais esse tipo de intimidação, ao passo que os mais pobres estão mais propensos a sofrê-la, segundo estudo da UFMG.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Estudantes de classes mais abastadas tendem a praticar mais bullying, ao passo que aqueles de menor nível socioeconômico estão mais propensos a sofrer dessa prática, segundo estudo feito por pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que analisou a relação dos marcadores sociais de gênero, raça e nível socioeconômico e o bullying entre alunos do 9º ano do ensino fundamental no Brasil.

O objetivo era verificar se o fenômeno estaria relacionado a hierarquias de poder estabelecidas na sociedade, de modo que alunos de grupos sociais privilegiados na pirâmide social — homens, brancos e mais abastados — tenderiam a praticar mais bullying, enquanto estudantes de grupos mais desfavorecidos — mulheres, negros e de nível socioeconômico mais baixo — sofreriam mais com esse tipo de intimidação.

O bullying é um tipo de prática sistemática e repetitiva de atos de violência física e psicológica, sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo. O assunto voltou a ganhar destaque com o caso do estudante Carlos Teixeira, 13, morto no dia 16 de abril após sofrer três paradas cardiorrespiratórias decorrentes de agressões feitas por outros alunos dentro de uma escola estadual em Praia Grande, litoral paulista. 

Sob coordenação da cientista social Valéria Cristina de Oliveira, do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG, as pesquisadoras se debruçaram sobre dados de 77.488 estudantes de escolas públicas e 20.358 de escolas privadas do país, obtidos pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde.

Dentre as várias informações coletadas pela PeNSE estão dados sobre o envolvimento dos alunos com comportamentos desviantes e sua exposição a diferentes tipos de violência, como o bullying. A PeNSE também capta características sociodemográficas dos alunos, entre elas sexo, raça e nível socioeconômico, mensurado, nesse caso, pelo índice de consumo de bens duráveis e acesso a serviços no domicílio — telefone fixo, celular, computador, conexão com a internet, carro, moto, número de banheiros com chuveiro e presença de empregado doméstico remunerado.

As pesquisadoras analisam esses dados a partir de modelos de regressão logística, técnica estatística que permite captar variações entre escolas públicas e privadas. “Sabemos que, em média, alunos de escolas privadas possuem nível socioeconômico superior aos de escolas públicas”, explica a cientista social Cíntia Santana e Silva, doutoranda em sociologia na UFMG e uma das autoras do estudo, publicado na revista Educação e Pesquisa. “Por isso, decidimos analisá-las separadamente.”

imagem: freepik

Os resultados do trabalho indicam que o bullying não reflete as hierarquias de poder e status presentes na sociedade de forma generalizada. No que se refere ao gênero, por exemplo, as pesquisadoras observaram que os estudantes do sexo masculino têm maior propensão ao envolvimento com o bullying do que as meninas, seja como vítima, agressor ou vítima-agressor. Em relação à raça, nenhum grupo racial se destacou como principais agressores.

Já no que se refere à questão econômica, as pesquisadoras constataram que o bullying parece retratar uma estrutura de dominação. Tanto nas escolas públicas quanto nas privadas, estudantes de maior nível socioeconômico estão mais propensos a praticá-lo, enquanto os de menor nível estão mais propensos a sofrer bullying, confirmando a hipótese inicial da pesquisa. “Na escola pública, alunos situados no ponto mais alto do índice de consumo têm chances 62% menores de sofrer bullying e 95% maiores de praticá-lo, em comparação com alunos situados no ponto mais baixo do índice”, afirma Silva. “Já na escola privada, o primeiro aluno teria chances 65% menores de sofrer e 67% maiores de praticar bullying.”

Esse fenômeno, segundo ela, resultaria de uma estrutura de dominação simbólica. “Os alunos de nível socioeconômico mais alto ocupam, desde que nasceram, uma posição de maior poder na estrutura social brasileira, apresentando maior desempenho e alcance escolar, bem como maior acesso a direitos sociais como saúde, cultura e segurança do que seus pares de menor nível socioeconômico.”, afirma Silva. “Por isso, é possível que eles se vejam naturalmente em posição de superioridade em relação aos demais e utilizem a prática de bullying como uma das formas de expressarem essa superioridade.” 

No caso dos alunos de classes sociais inferiores, uma possível inferência para explicar o fato de sofrerem mais bullying seria a de que o fato de ocuparem uma posição de menor poder na estrutura social os colocaria em posição de desvantagem nas lutas simbólicas do campo escolar e faz com que não consigam se defender e interromper os ciclos de dominação e violência.

Os resultados indicam que diversos fatores ajudam a explicar o bullying nas escolas, tanto no nível individual quanto no escolar, lançando luz sobre a complexidade do problema, e, por isso, precisam ser melhor estudados. 

Segundo Silva, as políticas e iniciativas escolares voltadas para a melhoria da convivência nas escolas tendem a tratar os estudantes como se todos fossem iguais. Muitas vezes, ignoram o fato de que eles trazem consigo marcadores de desigualdade que podem colocá-los em desvantagem nas dinâmicas de convivência do ambiente escolar e fazer com que sejam vistos pelos pares como vítimas preferenciais. “As políticas voltadas ao aprimoramento da convivência precisam estar atentas aos efeitos dos marcadores de desigualdades entre os alunos, sejam eles quais forem.”

Segundo ela, é preciso compreender melhor o sentido por trás de algumas conexões verificadas na educação, como a associação negativa entre o tamanho da escola e a presença do bullying e a influência que a violência do entorno das escolas exerce no fenômeno. As pesquisadoras pretendem avançar com o estudo, abordando a interseccionalidade entre os marcadores de desigualdade, por meio da inclusão de termos interativos entre sexo e raça, por exemplo, além da realização de pesquisa qualitativa, a fim de compreender as complexidades e subjetividades por trás das interações.

Sobre o projeto: 

O artigoBullying nas escolas públicas e privadas: os efeitos de gênero, raça e nível socioeconômico” foi publicado em abril na revista Educação e Pesquisa.