Estímulo à conversa melhora desenvolvimento de crianças

Pesquisadores criam protocolo direcionado a pais, cuidadores e professores visando estimular o desenvolvimento da linguagem em crianças por meio do diálogo, o que pode se refletir positivamente no futuro desses indivíduos.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Conversar é uma das formas mais eficazes de estimular o desenvolvimento linguístico das crianças, ajudando-as a ampliar seu vocabulário e a se expressar melhor. Ainda assim, muitos pais, cuidadores e professores negligenciam essa prática, concentrando-se apenas nos cuidados básicos, como alimentação e higiene. Para tentar mudar esse cenário, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob coordenação do economista Guilherme Diniz Irffi, do Departamento de Economia Aplicada, desenvolveram um currículo de apoio a pais, cuidadores e professores do ensino básico para incentivá-los a adotar o diálogo como ferramenta de desenvolvimento de crianças.

“Como nem todas as famílias, especialmente as de baixa renda, conseguem criar ambientes adequados para o desenvolvimento infantil, programas voltados à promoção de contextos familiares mais favoráveis surgem como alternativa para mitigar, ao menos parcialmente, os efeitos desses ambientes adversos”, destaca Irffi.

Estudos indicam que crianças de baixa renda tendem a apresentar desenvolvimento cognitivo e linguístico inferior ao de crianças de classes sociais mais altas, em parte porque ouvem menos palavras. “Esse atraso pode mais tarde afetar seu desempenho escolar e acadêmico, e restringir suas oportunidades de trabalho, impactando sua renda futura”, explica a economista Isabela Braga Sales, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Economia da UFC e uma das integrantes da equipe de Irffi no projeto. “A expectativa é que nossa estratégia ajude a diminuir essas desigualdades”, ela acrescenta.

O currículo desenvolvido pelos pesquisadores da UFC tem como foco crianças com idade entre 0 e 5 anos. Desde 2022, eles já treinaram profissionais de diversas áreas — psicologia, assistência social, enfermagem — para replicar e expandir a intervenção em escolas de ensino básico e Centros de Referência da Criança e do Adolescente (CRAs), espaços de convivência situados em bairros com elevados índices de vulnerabilidade social.

A estratégia destaca a importância de os pais, cuidadores e professores nomearem os objetos da forma correta, de modo a ampliar o vocabulário das crianças, e de usarem momentos do dia a dia, como o almoço em família, a ida ao supermercado ou o percurso até a escola, para introduzir noções e diferenças entre tamanho, cor e formas, para que as crianças desenvolvam conceitos básicos de matemática, como distância, medidas relativas, noção de tempo. A estratégia inclui ainda restrições do tempo de exposição de crianças a telas.

imagem: freepik

Os pesquisadores validaram o protocolo em um projeto piloto levado a cabo no segundo semestre de 2022 envolvendo o treinamento de 80 pais e cuidadores na Creche Irmãos Firmo, em Fortaleza, e do Centro de Educação Infantil Olga e Parsifal Barroso, no município de Caucaia. 

Após a atividade, aplicaram um questionário para captar opiniões dos indivíduos sobre o impacto do que foi passado no treinamento em seu convívio diário com as crianças. “Queríamos verificar se o currículo era capaz de mudar a percepção dos pais e cuidadores sobre a importância da conversa para o desenvolvimento linguístico das crianças”, diz Irffi. “Nesse caso, verificamos que, sim, o treinamento é capaz de mudar sua percepção sobre isso, o que é um indicativo de mudança de seus comportamentos também”.

A mudança é relatada em diversos depoimentos. Uma mãe respondeu: “Eu acredito que tudo aquilo que a gente ouviu naquele momento nos fazia refletir. E as experiências dos outros pais também me faziam pensar assim ‘ah, eu vou aproveitar isso na criação da minha filha’. Então, eu acho que, se colocarmos em prática todo esse embasamento e conteúdos, vamos ter seres humanos melhores no futuro”.

Além de coletarem as opiniões dos pais e cuidadores participantes do treinamento, por meio de um software, os pesquisadores também captaram dados quantitativos referentes ao número de interações que estes tiveram com as crianças no período. O objetivo era obter uma métrica do impacto do treinamento no desenvolvimento da linguagem nas crianças. “O dispositivo não registra o conteúdo das interações, mas a quantidade de diálogos e de palavras proferidas em cada uma delas, gerando gráficos por hora do dia”, explica Sales. Quanto maior o gráfico, maior o número de vocalizações, indicativo de que mais palavras foram ditas.

Ao compararem os dados dessas crianças com os de crianças de um grupo de pais e cuidadores que não recebeu o treinamento, verificaram que as primeiras escutaram e proferiram mais palavras durante o período avaliado.

Os autores do estudo agora trabalham na organização dos dados para publicação. A ideia é detalhar a intervenção para que outras pessoas entendam como ela pode ser implementada. “O objetivo é disseminar a estratégia para que ela possa ser replicada em outros estados”, diz Sales.

Sobre o projeto

O projeto “Desenvolvimento, Implementação e Avaliação de um Programa de Parentalidade com Foco no Desenvolvimento” foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Guilherme Diniz Irffi (UFC)