Há também desafios relacionados ao fornecimento de internet. Na comunidade ribeirinha de Itapéua, às margens do rio Jaurucu, a quase 24 horas de barco da zona urbana de Porto de Moz, a liderança local afirmou que a comunidade tem acesso a um ponto de internet na escola municipal, fornecido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas o sinal é muito ruim, sobretudo quando chove, o que aprofunda o isolamento das pessoas vivendo naquela região.
A realidade das comunidades ribeirinhas no entorno de Porto de Moz fez com que Araújo Filho se articulasse com diferentes órgãos públicos para promover ações de cidadania itinerante no interior da floresta, oferecendo serviços de justiça — como expedição de certidão de nascimento, título de eleitor, resolução de causas processuais de menor complexidade etc. — a populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas.
A mais recente percorreu o Rio Trombetas e permaneceu por cinco dias no distrito quilombola de Cachoeira Porteira, atendendo aproximadamente 4.600 pessoas. O pesquisador e seus colaboradores criaram um ponto de inclusão digital em uma escola municipal do distrito, com link direto com o fórum de Oriximiná. “Um professor fica responsável por ajudar quem precisa entrar em contato com o fórum para se informar sobre processos judiciais ou obter orientação jurídica”, relata Araújo Filho.
Esse cenário reforça a ideia de que um dos grandes desafios das políticas judiciárias no Brasil é enfrentar a desigual distribuição do acesso à justiça, especialmente em relação às pessoas e aos grupos mais vulneráveis.
“A governança digital e o uso das tecnologias adaptadas aos contextos regionais poderiam facilitar o acesso à justiça e minimizar as barreiras geográficas e sociais que afastam essas pessoas de seus direitos mais básicos, possibilitando a redução das desigualdades sociais e regionais”, destaca Beatriz Fruet de Moraes, juíza de direito titular da 1ª Vara Descentralizada do Pinheirinho, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, no Paraná, uma das autoras da pesquisa.
Segundo a pesquisadora, que também é mestranda na Enfam, os resultados do estudo podem auxiliar na construção de políticas para aprimorar a governança digital do Judiciário na região amazônica, especialmente para facilitar o acesso à justiça pelas pessoas que vivem nas comunidades ribeirinhas.
Os pesquisadores agora pretendem expandir a pesquisa sobre acesso à justiça e governança digital para outros estados, de modo a comparar os resultados de indivíduos com culturas e realidades distintas. “Pretendemos avaliar a situação de quilombolas da Bahia e do Espírito Santo, um dos estados mais atrasados em termos de justiça digital”, destaca Lunardi. “Também vamos nos debruçar sobre regiões periféricas de cidades do Paraná.”
Sobre o projeto:
O projeto “Políticas públicas e práticas de gestão de acesso à justiça no Brasil: Análise do processo de formulação e implementação” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.
Coordenador: Tomas de Aquino Guimaraes (UnB)