Pensando os novos desafios do mundo contemporâneo

Pesquisadores brasileiros de várias áreas e instituições se articulam em rede para analisar os riscos do neoliberalismo à democracia e ao estado de direito pós-crise financeira de 2008.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

O mundo vive um momento de instabilidade da ordem democrática, com o avanço de governos e movimentos de perfil ultraconservador, autocrático e autoritário. Ao mesmo tempo, vários países passam por uma reconfiguração das formas de trabalho, por meio da uberização, terceirização, desregulamentação e precarização das atividades laborais, criando novas formas de conflitos de classe.

Diante desse cenário, pesquisadores de diferentes áreas e instituições brasileiras estão se articulando em um projeto em rede para pensar os desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo e as novas configurações do capitalismo pós-crise financeira de 2008 — desencadeada pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco nos Estados Unidos e que provocou uma retração financeira internacional, principalmente em países europeus. A ideia é publicar artigos e livros, e estimular o debate com acadêmicos e trabalhadores de áreas distintas.

“Propomos uma reflexão sistemática e multidisciplinar dos desafios que temos pela frente, não apenas aqueles de ordem político-institucional, mas também de valores que têm colocado em xeque pressupostos do estado democrático de direito” diz o cientista social José Henrique Artigas de Godoy, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e um dos coordenadores do projeto.

Manifestações em Brasília em junho de 2013. Foto: Rafael Barroso/Wikimedia Commons

Segundo ele, o aprofundamento do capitalismo financeiro em nível global contribuiu para uma nova reconfiguração do neoliberalismo no mundo. Até 2008, o neoliberalismo de matriz mais progressista — embora condicionado pelos interesses de mercado — compatibilizava-se com pressupostos democráticos e valores próprios do pluralismo do mundo moderno. Essa situação mudou com a crise de 2008. “Passamos a conviver com um neoliberalismo de viés mais reacionário, contrário aos valores morais e pressupostos políticos, econômicos e institucionais do velho liberalismo”, destaca o cientista político.

O novo neoliberalismo, segundo ele, não é afeito a concessões. Para manter as mesmas taxas de lucro de décadas passadas, abdicou de quaisquer concessões às minorias e de seu compromisso com a ordem democrática. Ao fazer isso, criou tensões sociais que mais tarde se transformaram em reações populares como o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, a Primavera Árabe, na África, os coletes amarelos, na França, a primavera estudantil, no Chile, e as manifestações de 2013, no Brasil. “Todas de caráter anticapitalista, antineoliberal e antiglobalização”, comenta o pesquisador.

Em meio a tudo isso, o mundo do trabalho do século 20, influenciado pelo modelo de produção criado por Henry Ford (1863-1947) para a indústria automotiva, foi atropelado por novas formas de relações trabalhistas, mais precárias. “Essa nova forma de organização do capital e do trabalho tem limitando nossa capacidade, enquanto sociedade, de pensar uma política nacional de caráter desenvolvimentista, que promova não apenas a prosperidade econômica, mas também a inclusão social, a equidade e a qualidade de vida da população”, afirma Godoy.

Nesse sentido, o projeto tem reunido intelectuais das ciências sociais e política, da economia, das relações internacionais, da história, da comunicação e do cinema para pensar os desafios da democracia, do desenvolvimento e dos direitos no mundo contemporâneo. “Estamos trabalhando para fortalecer os laços entre pesquisadores de diferentes áreas e refletir melhor sobre essas questões”, explica o pesquisador. Isso está sendo feito por meio de fóruns de discussão envolvendo cientistas das mais de 20 instituições que integram o projeto.

Os tópicos discutidos nesses encontros agora estão sendo sistematizados pelos pesquisadores da rede. O objetivo, segundo Godoy, é transformá-los em artigos científicos e livros, previstos para o segundo semestre de 2024. São trabalhos que refletem sobre formas de exercício de autocracia em ambientes democráticos, ascensão de partidos digitais associados à extrema direita global, desmonte de aparatos públicos de controle e fiscalização, fascismo e populismo conservador, entre outros.

Os pesquisadores esperam usar esse material em cursos oferecidos a atores diretamente envolvidos nesses debates, sobretudo trabalhadores afetados pela precarização das relações laborais, como motoristas e entregadores.

Sobre o projeto

O projeto “Democracia, desenvolvimento e direitos: desafios do tempo presente” foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: José Henrique Artigas de Godoy (UFPB)