A dramaturgia como ferramenta de luta contra a opressão

O Teatro do Oprimido, metodologia de interpretação criada por Augusto Boal durante o regime militar, será a base de uma nova especialização ofertada pela Universidade Federal da Bahia, com vagas direcionadas a profissionais que trabalhem no combate às diferentes formas de opressão.

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Por Aline Weschenfelder

O teatro brasileiro sempre cumpriu um papel importante de resistência cultural às diferentes formas de opressão, seja por meio de textos provocativos, seja por meio de metodologias de interpretação, característica que ficou evidente sobretudo durante o período da ditadura militar (1964-1985). Utilizadas como forma de questionamento e de contraposição ao regime, algumas dessas metodologias ainda hoje servem de instrumento de crítica e luta contra as manifestações opressivas que têm sido alvo de debates na atualidade, como o racismo, o machismo, a homofobia e as injustiças ambientais. É o caso do Teatro do Oprimido, método que utiliza técnicas interativas entre atores e público, transformando o palco em um espaço de reflexão e debate sobre diferentes questões sociais.

Inspirados no método, pesquisadores da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) estão ofertando a primeira especialização em Teatro do Oprimido no Brasil. O teatrólogo e intelectual brasileiro Augusto Boal (1931-2009) estruturou a metodologia a partir de diferentes estratégias dramatúrgicas, visando expressar violências e arbitrariedades sofridas e testemunhadas por ele durante o regime militar no Brasil, e suas experiências nos países onde vivenciou o exílio político nos anos 1970. 

“Essa metodologia, também chamada de Poética do Oprimido, é forjada na urgência de encontrar soluções frente a injustiças enfrentadas pelas minorias”, explica a pesquisadora e dramaturga Antonia Pereira Bezerra, coordenadora do projeto.

Augusto Boal e o Teatro do Oprimido em Paris, 1975. Cedoc-Funarte

As técnicas a serem empregadas no curso oferecido pela UFBA resultam do aperfeiçoamento de experimentações realizadas ao longo da trajetória de Boal em encenações interativas com o público, que visavam a transformação da realidade por meio do diálogo (assim como Paulo Freire propôs na Educação). Entre essas técnicas, destacam-se o Teatro Invisível, em que apenas os atores estão cientes de que se trata de uma representação, enquanto o público pensa estar presenciando uma situação real; o Teatro Imagem, baseado nas linguagens não verbais; o Teatro Jornal, que explora a forma com que o jornalismo trata as questões sociais; o Teatro Fórum, que estimula o debate sobre opressões a partir de relatos da plateia. Essa última técnica conta com uma participação mais enfática do público, ao simular um problema narrado por alguém da plateia que, na sequência, recebe propostas para solucioná-lo.

O curso de especialização contemplará todas as técnicas do Teatro do Oprimido, com maior ênfase no Teatro Fórum. Segundo a coordenadora, a interlocução entre atores e público, somada à tentativa de resolver os problemas apresentados, “tornou o Teatro Fórum o método mais difundido e praticado no mundo”. 

A pesquisadora conta que a técnica se consolidou como uma base simbólica, ao promover debates e ampliar a consciência social dos participantes. “Seja por empatia, por analogia ou identidade, o público propõe alternativas para os problemas apresentados”, acrescenta.

OFICINA REALIZADA PELO GRUPO DE ESTUDOS TEATRO DO OPRIMIDO. fOTO: Licko Turle

Para ela, esse modelo dramatúrgico pode ser considerado como um antimodelo, pois ressalta o que hoje se qualifica como “politicamente incorreto”.  “A técnica mostra os absurdos que foram naturalizados e nem sempre nos damos conta”, explica.

A metodologia é atravessada por aspectos pedagógicos, terapêuticos e politizados, o que pode contribuir para se pensar diferentes práticas sociais e despertar o interesse em profissionais de diferentes áreas como direito, saúde coletiva, educação, sociologia e psicologia, por exemplo. 

Dos 160 candidatos inscritos para a primeira turma da especialização, foram selecionadas 47 pessoas de diferentes regiões do Brasil, da Holanda e da França. Bezerra esclarece que entre os critérios eleitos para a seleção destacou-se a atuação profissional dos candidatos como ativistas, pessoas que trabalham diretamente com grupos sociais, participantes de ONGs e pedagogos de escolas públicas.

O curso terá aulas presenciais, de caráter imersivo, na sede do Grupo de Estudos do Teatro do Oprimido (GESTO) que é vinculado ao projeto, no campus da UFBA. A especialização foi idealizada em três módulos: o primeiro acontecerá em janeiro de 2024; o segundo em julho de 2024; e o terceiro em janeiro de 2025. Serão ofertadas aulas teóricas na modalidade remota.

Como resultado, os pesquisadores planejam realizar um festival internacional em meados de 2024, com base nas técnicas do Teatro Fórum articuladas aos resultados do primeiro módulo da especialização. Além disso, pretendem dar continuidade à formação após a finalização do projeto, buscando ampliá-lo a outras parcelas da população.

Para ministrar as aulas, o projeto conta com a participação de professores de instituições de ensino nacionais e internacionais. 

 

Sobre o projeto

O projeto “Projeto estruturante de formação em teatro do oprimido: práticas político-pedagógicas” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenadora: Antonia Pereira Bezerra (UFBA)