Os efeitos psicológicos da pandemia

Em investigação sobre os impactos da Covid-19 na saúde mental de moradores de comunidades de Juiz de Fora, Minas Gerais, e nas ações dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde, pesquisadores apontam mulheres e jovens como os mais afetados.

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Por Aline Weschenfelder

Os impactos decorrentes da pandemia têm causado um possível aumento no uso de psicotrópicos e afetado principalmente a rotina familiar e profissional das mulheres, além de ter deixado crianças e jovens emocionalmente mais vulneráveis. Esses efeitos estão sendo investigados em um novo estudo desenvolvido pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

O projeto, que envolve moradores de comunidades locais de Juiz de Fora e profissionais da Atenção Primária em Saúde (APS) que atendem a região, visa identificar os impactos da pandemia na saúde mental dessas pessoas e nas ações desses profissionais.

“A partir dos resultados da pesquisa, pretendemos aprimorar nossas práticas em relação aos cuidados em saúde mental”, informa o psicólogo Fernando Santana de Paiva, pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre Sujeitos, Política e Direitos Humanos (NUPSID) da UFJF e coordenador do projeto.

O Ministério da Saúde define a APS como a “principal porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS)” e que “se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo”. Trata-se de um serviço amplo de cuidados em saúde, incluindo a mental, área que passou a ser mais requisitada no pós-pandemia, colocando profissionais da APS e população ainda mais próximos.

Por serem maioria nesta categoria profissional, o estudo envolve apenas agentes de saúde do sexo feminino. Segundo o coordenador da pesquisa, devido ao fato de estarem inseridas nas comunidades, essas mulheres acabam por exercer um papel fundamental para a realização da pesquisa da UFJF.

“As agentes são o elo entre a comunidade e as unidades de saúde, e identificam pessoas que estão precisando de apoio psicológico”, explica o pesquisador.

Com base nos relatos das agentes de saúde, os pesquisadores presumem um aumento no uso de psicotrópicos pela população atendida. A fim de compreender essa possibilidade de consumo excessivo da medicação, prontuários de saúde mental dos anos de 2020-2021 serão analisados para verificar as demandas, tipos de necessidades e como esses remédios foram ministrados.

Segundo Paiva, a possível maior busca por psicotrópicos pode estar relacionada ao aumento da vulnerabilidade resultante da Covid-19. “Com a pandemia, questões sociais como a pobreza, a violência e a desigualdade, que já faziam parte da vida dessas comunidades, foram acentuadas”, diz.

Nesse cenário, os efeitos emocionais afetam principalmente mulheres que tiveram sobrecarga de trabalho ao incorporar os cuidados de filhos e pais idosos na sua rotina doméstica, além de terem de lidar com o seu cotidiano profissional. Os pesquisadores também constataram a fragilização de jovens e crianças. Segundo Paiva, esses indivíduos “estão sinalizando algum problema psicossomático, de ansiedade ou medo”, sobretudo no contexto escolar.

IMAGEM: FREEPIK

Tais dados não chegam a surpreender, já que, de acordo com o psicólogo, as mulheres, os jovens e as pessoas negras e de baixa renda possuem os piores indicadores de saúde mental em relação ao atravessamento da pandemia.

Os dados estão sendo coletados por meio de conversas entre os pesquisadores, os profissionais da APS e os moradores das comunidades atendidas.

Ainda que o estudo se concentre apenas em comunidades de Juiz de Fora, o psicólogo acredita que problemas como medo, insegurança e ansiedade fazem parte da realidade brasileira, como consequência de questões políticas e econômicas agravadas com a pandemia. “Muita gente perdeu trabalho e renda, ficou sem esperança e o medo passou a não ser mais do vírus”, disse Paiva.

O pesquisador também destaca o negacionismo e a má gestão da pandemia pelo governo federal como agravantes. “As pessoas ficaram mais expostas, por causa do cenário político daquele momento”, afirma.

O projeto também conta com pesquisadores da Universidade de São João Del Rei (UFSJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo Paiva, a questão de classe e gênero é fundamental para esse tipo de trabalho, por conta da suscetibilidade dos diferentes grupos sociais. Assim, mulheres da Comunidade Quilombola Colônia do Paiol, em Bias Fortes, Minas Gerais, também estão sendo acompanhadas pelo estudo, tanto na perspectiva dos cuidados da saúde mental, como de maneira mais ampliada.

Sobre o projeto:

O projeto “Pandemia da Covid-19 e a produção de cuidados sócio-comunitários em saúde mental no âmbito da Atenção Primária à Saúde” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Fernando Santana de Paiva (UFJF)