Relação entre pobreza e arte é objeto de estudo da UFRGS

O objetivo dos pesquisadores é analisar o trabalho de artistas populares para entender como a pobreza impacta nas suas performances. Resultados parciais mostram que, apesar da falta de recursos, eles mantêm a concepção da arte como ferramenta de postura crítica.

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Por Aline Weschenfelder

O mundo das artes geralmente é relacionado ao sucesso e a condições sociais confortáveis. No entanto, esse perfil idealizado se aplica a uma parcela mínima dos profissionais que trabalham com arte no Brasil. 

Para o ator, diretor e pesquisador na área de teatro Gilberto Icle, grande parte da classe artística vive em condições de precariedade e privação de direitos, especialmente os profissionais da categoria que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. 

O entendimento de que a pobreza aflige a classe artística de modo significativo levou Icle e uma rede de pesquisadores do Brasil e do exterior a investigar sobre como as artes, em geral, se relacionam com esses contextos de pobreza. O estudo tem como objetivo analisar o trabalho dos artistas para entender como a situação de pobreza impacta suas atividades e como eles lidam com ela. “Queremos saber como ela afeta as relações artísticas e se existem possibilidades para vislumbrar um cenário diferente”, explica Icle. 

São aproximadamente 40 pesquisadores que integram a rede que analisa a pobreza no campo artístico em diferentes contextos, cada grupo trabalhando uma questão social associada à pobreza.

Imagem: freepik

Gilberto Icle e outros pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, estão acompanhando três coletivos teatrais: os “Contadores de Mentira”, em Suzano, São Paulo, que atua com diferentes performances; a “Trupe di Trapo”, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, que trabalha com a apresentação de bonecos; e a “Rede Espiralar em Cruza”, grupo formado recentemente apenas com artistas negros, também da capital gaúcha.

Além da questão da cor/raça, entre os outros temas observados pela rede de pesquisadores estão a gravidez precoce, velhice e juventude e a imigração infantil, todos associados à pobreza.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas e observação dos grupos artísticos. No momento, os pesquisadores estão fazendo cruzamentos a partir dos dados obtidos, e já contam com alguns resultados parciais, os quais apontam – entre outras coisas – que a pobreza gera mais dificuldades aos profissionais, e não representa um motivador de criatividade. “Os artistas populares dizem que seriam mais criativos se estivessem em melhores condições”, destaca Icle.

Os resultados também mostram que os coletivos artísticos trabalham em defesa do que acreditam: a concepção da arte como ferramenta de combate à injustiça e a favor das causas sociais. “As precariedades não induzem esses grupos a deixar de lado seus valores éticos ou a abandonar a concepção de arte que eles têm”, afirma Icle.  “Eles insistem em manter esse posicionamento, ainda que estejam em regime de precariedade”. Além disso, complementa o pesquisador, “esses artistas também fazem arte para pessoas que estão na mesma situação”.

Para Icle, a ideia de pobreza está totalmente rodeada de preconceito e tabus, e é centrada sobretudo no comportamento individual. “Há um pensamento recorrente de que a pessoa é pobre porque é preguiçosa, não trabalha; e que as pessoas são ricas porque trabalham bastante, se dedicam”, analisa.

A partir dos resultados obtidos pelo projeto, os pesquisadores esperam ter subsídios para a formulação de novas políticas públicas, ou pelo menos indicar caminhos para esse fim. “Queremos entender como garantir direitos aos coletivos artísticos em situação de pobreza”, aponta. “Mas não são contribuições gerais, elas precisam ser um pouco particularizadas, conforme cada situação”. 

A rede de pesquisa também é composta por investigadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Federal do Acre (UFAC); Universidade Federal de Sergipe (UFS); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Universidade Federal da Bahia (UFBA); Maison de Sciences de l’Homme Paris Nord; Université de Nantes; Université Paris Nanterre; Université Lille 3; Université de Rennes; Université de Nice; Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires; Universidade do Minho; Universidade Agostinho Neto; e Instituto Superior de Artes e Cultura. 

 

Sobre o projeto

O projeto “Pobreza e Performance” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Gilberto Icle (UFRGS)