Para entender as dinâmicas imobiliárias e fundiárias no Brasil

Pesquisadores de diferentes áreas unem esforços para ampliar as análises sobre as transformações das cidades no país. Os efeitos de algumas dessas transformações já são observados na capital paulista

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Andar pela cidade de São Paulo é como estar em um canteiro de obras. A cada esquina, um novo empreendimento imobiliário, quase sempre voltado à construção de prédios espelhados ou com varanda gourmet. A verticalização da capital paulista acontece em um ritmo tão acelerado que a cidade atualmente possui mais apartamentos do que casas, segundo levantamento do Centro de Estudos da Metrópole, com base em dados da Secretaria Municipal da Fazenda da Prefeitura de São Paulo. Em 2000, a cidade abrigava 1,23 milhão de casas. Em 2020, esse número subiu para 1,37 milhão. Por sua vez, o contingente de prédios saltou de 767 mil em 2000 para 1,38 milhão em 2020, um aumento de 80%.

Esse fenômeno não se dá ao acaso. Pelo contrário. Está associado a processos mais amplos e complexos, verificados de formas variadas em diferentes cidades brasileiras. “Um deles é a financeirização do setor imobiliário, a qual, associada à abertura de capital de construtoras e incorporadoras, está redefinindo o padrão de crescimento das metrópoles brasileiras”, afirma o economista Everaldo Santos Melazzo, do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, interior de São Paulo. “Quem produz o espaço urbano e rege a expansão das cidades são as empresas imobiliárias, que, com o aval do Estado, definem onde construir e o público que ocupará essas áreas de acordo com os preços dos terrenos.”

Melazzo atualmente coordena uma rede de arquitetos, economistas, engenheiros, geógrafos e urbanistas de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país comprometidos com o desenvolvimento de estudos sobre as dinâmicas imobiliárias e fundiárias no Brasil. “A ideia é unir esforços para ampliar a abrangência das análises das transformações contemporâneas das cidades brasileiras, permitindo comparações e a produção de um conhecimento que possa ser usado na formulação de políticas públicas mais eficazes e capazes de organizar e qualificar a produção do espaço urbano”, comenta o pesquisador.

Para isso, eles pretendem identificar, selecionar e sistematizar dados gráficos e cartográficos, os quais deverão ser disponibilizados no Observatório de Monitoramento e Avaliação de Dinâmicas Imobiliárias e Fundiárias. “Esperamos que esses dados, e as análises que os acompanharão, estimulem o debate acadêmico e ampliem o diálogo com agentes públicos envolvidos na elaboração e gestão de políticas públicas urbanas”, diz o economista.

João Tzanno/Unsplash

As análises feitas pelo grupo acerca das dinâmicas imobiliárias em diferentes municípios brasileiros têm revelado transformações importantes no padrão de crescimento das cidades no país, nas novas periferias que estão se formando, na ampliação de novos produtos imobiliários e também no preço dos terrenos urbanos. Uma delas diz respeito ao aprofundamento das conexões entre os setores financeiro e imobiliário. Esse movimento, segundo Melazzo, teve início no Brasil em meados da década de 1990 com a criação do Sistema Financeiro Imobiliário e a emergência de aparatos regulatórios que permitiram o surgimento de vários instrumentos de financeirização da moradia. Caso da securitização imobiliária, prática do mundo das finanças que consiste em transformar imóveis em papéis.

Quase sempre lastreados em dívidas de financiamento, promessas de aluguéis ou fluxos de caixa projetados para o futuro, esses papeis ampliam a liquidez dos bens imobiliários por meio da divisibilidade do investimento em títulos acessíveis a pequenos investidores individuais e a grandes conglomerados financeiros. De acordo com o economista, esse movimento contribuiu para transformar os imóveis em ativos de valor. “Tal lógica acabou por distanciar a habitação de seu valor de uso como abrigo ou propriedade individual, condicionando-a a novas lógicas de produção e consumo.”

Os efeitos desse fenômeno se manifestam nas discussões do novo Plano Diretor de São Paulo, o qual amplia para dentro dos bairros as áreas nas quais poderão ser construídos novos prédios. A medida tem recebido críticas de especialistas porque estaria desestruturando a proposta original, implementada em 2014, que pretendia concentrar prédios mais altos com mais gente em áreas próximas aos eixos de corredores exclusivos de ônibus e em volta das estações de trem e metrô, fazendo com que as pessoas que dependem do transporte coletivo para se locomover pudessem morar perto dele.

O processo de revisão do novo plano diretor se dá em um contexto de forte influência das construtoras e incorporadoras no setor público. “O mercado imobiliário, mais do que servir às pessoas e suas necessidades de moradia, tem servido ao capital financeiro, gerando especulação”, destaca Melazzo. Enquanto isso, São Paulo possui quase 600 mil imóveis vazios, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e concentra 52,2 mil pessoas em situação de rua, 25% do total do país, segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas.

Os pesquisadores agora querem entender os impactos de ações como essas no preço dos terrenos, no mercado de alugueis, e no incremento das desigualdades nas cidades brasileiras. “Queremos aprofundar as análises, de modo a qualificar as íntimas articulações do mercado de capitais com o Estado, e determinar seus desdobramentos na produção e no consumo da terra urbana no país”, explica o economista. “Os processos de expansão e ocupação das cidades variam muito de uma região para outra, e é preciso valorizar as particularidades de cada uma delas.”

Em cidades médias, por exemplo, a construção de espaços residenciais fechados e shopping centers tem contribuído para um fenômeno diferente, conhecido como ”separação socioespacial”, no qual grupos de moradores com ganhos econômicos mais altos e os com renda mais baixa se fecham em seus espaços. Esse movimento tem uma série de consequências, as quais vão desde a negação da cidade como espaço comum coletivo até o fortalecimento de novos mecanismos de produção do espaço urbano. “Os empreendimentos fechados de faixas de renda distintas estão se configurando como se fossem várias cidades em uma só, já que seus moradores raramente se encontram”, comenta Melazzo.

 

Sobre o projeto 

O projeto “Observatório Nacional de Monitoramento e Avaliação de dinâmicas imobiliárias e fundiárias” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Everaldo Santos Melazzo (Unesp)