Quase sempre lastreados em dívidas de financiamento, promessas de aluguéis ou fluxos de caixa projetados para o futuro, esses papeis ampliam a liquidez dos bens imobiliários por meio da divisibilidade do investimento em títulos acessíveis a pequenos investidores individuais e a grandes conglomerados financeiros. De acordo com o economista, esse movimento contribuiu para transformar os imóveis em ativos de valor. “Tal lógica acabou por distanciar a habitação de seu valor de uso como abrigo ou propriedade individual, condicionando-a a novas lógicas de produção e consumo.”
Os efeitos desse fenômeno se manifestam nas discussões do novo Plano Diretor de São Paulo, o qual amplia para dentro dos bairros as áreas nas quais poderão ser construídos novos prédios. A medida tem recebido críticas de especialistas porque estaria desestruturando a proposta original, implementada em 2014, que pretendia concentrar prédios mais altos com mais gente em áreas próximas aos eixos de corredores exclusivos de ônibus e em volta das estações de trem e metrô, fazendo com que as pessoas que dependem do transporte coletivo para se locomover pudessem morar perto dele.
O processo de revisão do novo plano diretor se dá em um contexto de forte influência das construtoras e incorporadoras no setor público. “O mercado imobiliário, mais do que servir às pessoas e suas necessidades de moradia, tem servido ao capital financeiro, gerando especulação”, destaca Melazzo. Enquanto isso, São Paulo possui quase 600 mil imóveis vazios, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e concentra 52,2 mil pessoas em situação de rua, 25% do total do país, segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas.
Os pesquisadores agora querem entender os impactos de ações como essas no preço dos terrenos, no mercado de alugueis, e no incremento das desigualdades nas cidades brasileiras. “Queremos aprofundar as análises, de modo a qualificar as íntimas articulações do mercado de capitais com o Estado, e determinar seus desdobramentos na produção e no consumo da terra urbana no país”, explica o economista. “Os processos de expansão e ocupação das cidades variam muito de uma região para outra, e é preciso valorizar as particularidades de cada uma delas.”
Em cidades médias, por exemplo, a construção de espaços residenciais fechados e shopping centers tem contribuído para um fenômeno diferente, conhecido como ”separação socioespacial”, no qual grupos de moradores com ganhos econômicos mais altos e os com renda mais baixa se fecham em seus espaços. Esse movimento tem uma série de consequências, as quais vão desde a negação da cidade como espaço comum coletivo até o fortalecimento de novos mecanismos de produção do espaço urbano. “Os empreendimentos fechados de faixas de renda distintas estão se configurando como se fossem várias cidades em uma só, já que seus moradores raramente se encontram”, comenta Melazzo.
Sobre o projeto
O projeto “Observatório Nacional de Monitoramento e Avaliação de dinâmicas imobiliárias e fundiárias” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.
Coordenador: Everaldo Santos Melazzo (Unesp)