Por Washington Castilhos
Cerca de 1 milhão de famílias brasileiras estão cadastradas como beneficiárias da reforma agrária em aproximadamente 9 mil assentamentos criados ou reconhecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Todas elas recebem um documento de titulação, conforme a modalidade do assentamento. Mas o que acontece com essas famílias a partir daí? A pergunta motivou um grupo de pesquisadores a ir a campo em 16 assentamentos em diferentes regiões do Brasil para produzir um diagnóstico dos problemas enfrentados por mais de 10 mil famílias. O quadro é alarmante.
“Quase metade das pessoas que receberam o título vendeu a terra, e uma parte continua em situação de abandono”, relata o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente, e coordenador do estudo.
A equipe do projeto – que inclui pesquisadores da Argentina, do Uruguai e do Reino Unido – verificou que as vendas fazem parte de uma trama que envolve fazendeiros, usineiros e o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), entidade vinculada à Secretaria da Agricultura e Abastecimento de São Paulo responsável por planejar e executar as políticas agrária e fundiária do estado. “Muitas famílias precarizadas, endividadas e sem acesso a políticas públicas estão vendendo as terras devolutas a fazendeiros com desconto. E o governo paulista, por meio do ITESP, está facilitando essa negociação, valendo-se da fragilidade financeira dessas famílias”, denuncia Fernandes.
A prática é ilegal. Por lei, os assentados não podem vender os lotes que recebem na reforma agrária. No entanto, cerca de 40% dos lotes foram vendidos com até 90% de desconto, beneficiando grileiros e latifundiários do estado. “Cria-se uma situação de vulnerabilidade, instrumentaliza-se uma narrativa e a culpa recai sobre as famílias sem terra. Isso está acontecendo em todo o país”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) tem denunciado esses acordos (leia artigo de Fernandes sobre o tema).
Segundo os pesquisadores, a maior parte dos assentamentos estudados encontra-se sem infraestrutura ou acesso a políticas públicas. “As famílias conseguem financiamento para construir sua casa, mas não têm acesso ao Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], de modo que muitos estão arrendando sua terra ou produzindo em apenas 20% da área que dispõem. Isso porque elas não têm recursos para produção e investimento em cercas, equipamentos e benfeitorias disponibilizados pelo Pronaf”, explica Fernandes.
De acordo com o geógrafo, a falta de infraestrutura está relacionada aos assentamentos não vinculados a um projeto produtivo. Muitas famílias foram cooptadas e estão produzindo commodities como soja, submetendo-se ao uso de agrotóxicos intensos e desenvolvendo problemas de saúde.