O brinquedo como aliado na avaliação motora infantil

Aparelho utilizado para avaliar a habilidade motora das crianças durante o teste de força na primeira infância – o dinamômetro – nem sempre é bem-aceito por elas, que muitas vezes se sentem intimidadas pelo dispositivo. Instrumentos em formato de brinquedos podem tornar o teste mais atrativo, sugerem pesquisadores.

Notícias

Por Aline Weschenfelder

O acesso prematuro às telas de computadores e smartphones tem tornado o desenvolvimento sensório-motor das crianças mais tardio, o que faz com que elas apresentem uma série de defasagens, especialmente em relação aos movimentos das mãos. Especialistas afirmam ser importante observar a existência ou não desses déficits por meio do teste de força da preensão manual (FPM) na primeira infância, período entre o nascimento até os seis anos de idade. O teste é recomendado para avaliar habilidades motoras que são essenciais tanto na realização de ações – como segurar e manusear objetos – como na aprendizagem, uma vez que envolvem a prática da escrita. 

Porém, de acordo com o designer Márcio James Soares Guimarães, o dinamômetro, aparelho tradicionalmente utilizado nessa avaliação, nem sempre é bem-aceito pelas crianças, que muitas vezes se sentem intimidadas no momento do teste.

Como alternativa, Guimarães e sua equipe de pesquisadores do Departamento de Desenho e Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) estão desenvolvendo instrumentos no formato de brinquedos. A ideia é tornar o teste mais atraente para as crianças. O estudo está sendo realizado em uma pré-escola de um centro educacional municipal de São Luís e com crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) internadas em um hospital infantil na capital maranhense.

materiais desenvolvidos para testes. Foto: Grupo de pesquisa Tato Ativo

Segundo o coordenador do projeto, os equipamentos tradicionais são planejados visando somente a funcionalidade. “Não há nada no dinamômetro que tenha alguma atratividade para o público infantil”, diz ele. “Mas quando o aparelho é apresentado de forma recreativa, torna a avaliação um momento divertido”, complementa Guimarães.

O pesquisador explica que os bebês nascem com uma preensão muito primitiva. Além disso, eles não usam o polegar e tentam apoiar os objetos nos outros dedos e com desequilíbrio. Somente após alguns meses o polegar passa a cumprir sua função, e “isso precisa ser estimulado cada vez mais para que a criança exerça uma série de ações na vida”, adverte o especialista.

Guimarães lembra que as gerações anteriores à era dos equipamentos eletrônicos aprendiam cedo a amarrar os cadarços, a desenhar e a fazer atividades manuais, mas que, atualmente, o acesso prematuro às telas acabou por retardar o desenvolvimento da motricidade fina, relacionada aos movimentos das mãos. 

De acordo com o pesquisador, a preensão manual de crianças na primeira infância, fase em que estamos mais aptos à aprendizagem, é essencial para todo o desenvolvimento de uma pessoa. “Até os três anos de idade o cérebro humano equivale ao que irá desenvolver nos próximos 60 anos” explica Guimarães. “Auxiliando a criança a ter uma preensão manual melhor, ela terá mais controle para a vida”, assegura. “Dependemos muito das mãos para as atividades que envolvem o cotidiano”.

Os modelos de dinamômetros propostos pela pesquisa podem ser adaptados para que sejam usados com bebês. Além disso, possuem peças idealizadas e específicas para cada movimento, a fim de que os terapeutas possam verificar a mobilidade e a força na realização dos testes. O protótipo final será testado em alunos de uma escola pública de educação infantil a partir de março de 2024. 

A pesquisa dá continuidade a outros estudos que tiveram como objetivo produzir brinquedos, recursos pedagógicos e paradidáticos como auxílio em sala de aula na execução de tarefas realizadas por crianças cegas. 

Na investigação em andamento, também está sendo planejado um equipamento que sirva para crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença que se caracteriza pela perda do tônus muscular e, consequentemente, compromete várias ações. “Essas crianças não têm força para falar. Para se alimentar usam tubos e estão internadas em uma área de terapia intensiva do hospital”, explica Guimarães. “Estamos fazendo uma adaptação do material já produzido em versão recreativa para que seja acessível também a elas”, complementa.

O trabalho dos pesquisadores tem se concentrado na perspectiva analógica, mas como as crianças com AME demandam cuidados específicos, por apresentarem limitações impostas pela doença, os materiais direcionados a elas estão sendo desenvolvidos em formato digital.

“Após muita fisioterapia, essas crianças conseguem mover um dedo de um lado para o outro, para cima e para baixo”, esclarece o designer. “Estamos criando joguinhos digitais para estimular cada vez mais esses movimentos com os dedos, bem como para fazer o teste da força de preensão manual”, relata. 

As ideias em torno da elaboração de instrumentos em formato lúdico partiram de conversas com profissionais que acompanham as crianças diariamente – professoras nas escolas e terapeutas no hospital. Segundo Guimarães, o apoio dessas pessoas é fundamental para a pesquisa, uma vez que “as ferramentas produzidas para crianças com AME podem ser perfeitamente utilizadas por outras crianças”.

A pesquisa deve envolver entre 90 e 100 crianças na realização dos testes. Até o momento, 56 estão sendo observadas. De acordo com o pesquisador, as crianças na escola apresentam uma diversidade de condições, com ou sem necessidades especiais. “Essas variáveis serão apontadas a partir da avaliação comparativa, e indicarão as possíveis necessidades em seus diferentes níveis”, esclarece.

materiais desenvolvidos para testes. Foto: grupo de pesquisa tato ativo

Como resultado, até o momento, está a elaboração de um protocolo sobre todos os tipos de preensão manual infantil. “A classificação é eficaz, segundo as faixas etárias do desenvolvimento dentro da primeira infância”, afirma Guimarães. “Então hoje sabemos quais os movimentos que uma criança com dois ou três meses precisa fazer com a mão”, observa. E complementa: “Isso é bom porque temos escassez desse tipo de material”. 

O protocolo auxilia no exame, apontando se a criança resolveu com rapidez, resolveu com precisão, resolveu com dificuldade ou se não resolveu. A partir desses códigos, o terapeuta complementa com suas observações e pontua em laudo o status da motricidade fina.

O projeto conta com a parceria do Laboratório de Prototipagem Fabrique e Laboratório de Design Universal, ambos da UFMA, e do Laboratório de Pesquisas em Design Contemporâneo da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

 

Sobre o projeto:

O projeto “Tato Ativo: desenvolvimento de instrumentos para avaliação da preensão manual infantil” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: Márcio James Soares Guimarães (UFMA)