Por Rodrigo de Oliveira Andrade
As discussões sobre a evolução do pensamento econômico costumam se restringir a narrativas canônicas e a grandes nomes, como Adam Smith (1723-1790), autor da obra clássica A Riqueza das Nações, de 1776. Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (FACE-UFMG) — e de outras instituições de ensino e pesquisa — busca agora entender a formação dessa área do conhecimento a partir de escritos de outros atores, menos conhecidos, e como eles influenciaram a evolução do pensamento econômico em determinados contextos.
A pesquisa parte da hipótese de que alguns aspectos da evolução do discurso ligado ao pensamento econômico só poderiam ser compreendidos a partir de um esforço abrangente de interpretação das transformações produzidas pelo chamado Reformismo Ilustrado português na segunda metade do século XVIII.
O Reformismo Ilustrado foi um programa de reformas que marcou diferentes monarquias, sobretudo aquelas no sul da Europa, e preconizava um esforço de reajustamento às tendências dominantes com vistas à dinamização da economia e vitalização da sociedade, sem que isso atingisse as estruturas fundamentais desses reinos ou impérios e desencadeasse transformações revolucionárias mais profundas.
O objetivo era estabelecer arranjos de longa duração que permitissem que ordens econômicas, políticas e sociais marcadas por estruturas desiguais se mantivessem estáveis ao longo do tempo. “O Reformismo Ilustrado, nesse sentido, tem como elemento estruturante a ideia de mudar para preservar tudo como sempre foi”, explica o historiador Alexandre Cunha, pesquisador da FACE-UFMG e coordenador de um projeto que analisa como as reformas ilustradas influenciaram transformações importantes no discurso da economia política na segunda metade do século XVIII, sobretudo no mundo Ibérico.
A ideia de “mudar para não mudar”, segundo o estudioso, contribuiu para a reprodução de estruturas desiguais na sociedade brasileira em vários momentos ao longo do século XIX — algumas delas persistem até os dias atuais.
Em O Cativeiro da Terra, de 1979, o sociólogo José de Souza Martins mostra, por exemplo, como as elites brasileiras, na iminência da abolição da escravatura, organizaram-se para criar novas formas de reprodução da estrutura escravista com a lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, popularmente conhecida como “Lei de Terras”.
Aprovada durante o reinado do imperador dom Pedro 2º, essa legislação acabou por favorecer a concentração fundiária no país — que marca a realidade brasileira até os dias atuais —, dificultando o acesso à terra pelas camadas mais pobres da população, reforçando e aprofundando a desigualdade no país.
Para Cunha, a lógica do “mudar para não mudar” observada no Reformismo Ilustrado português funciona como uma chave de análise de processos de mudanças conservadoras, como as implementadas pelas elites políticas e econômicas no Brasil em diferentes períodos ao longo da história do país. Caso do golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, que depôs o governo de João Goulart para conter o avanço das reformas de base — conjunto de propostas para renovação das instituições brasileiras. Dentre as medidas previstas estava uma reforma eleitoral, cujo objetivo mais amplo era precisamente reduzir a influência das elites sobre o Congresso Nacional.
“O Reformismo Ilustrado é exatamente um tipo de transformação conservadora, alternativa a perspectivas de mudanças revolucionárias, que são as que têm efeitos mais amplos nas estruturas sociais, produzindo alterações mais profundas nas elites governativas e econômicas”, comenta o pesquisador. “Um dos objetivos do nosso projeto é tentar analisar a origem dessa lógica de pensamento”, completa.
A pesquisa coordenada por Cunha baseia-se em documentos históricos (projetos, memórias, correspondências etc.) produzidos por diplomatas portugueses na década de 1780, marcada pelo endurecimento do Pacto Colonial, cujo objetivo era maximizar a extração do excedente que a metrópole portuguesa obtinha com suas colônias — o que se intensificou com a proibição formal das manufaturas nessas dependências do império.
Um deles é D. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), o conde de Linhares, que à época atuava como enviado diplomático de Portugal em Turim, na Itália. É de lá que ele começa a escrever e a enviar para Portugal vários projetos de reforma, dentro da lógica do Reformismo Ilustrado. Um deles previa a criação de uma indústria da seda no norte de Portugal. “O projeto faz uma aposta no velho, ilustrando bem a lógica do Reformismo Ilustrado português”, comenta Cunha. “Ainda que sofisticado, pensava o futuro a partir de um setor que estava ficando no passado.”
A Inglaterra à época já vivia sua revolução industrial e importava, via Portugal, cada vez mais algodão do Brasil. “Ao invés de investir em um setor que estava se dinamizando no mundo industrializado a partir de um produto brasileiro, Portugal, por sugestão de D. Rodrigo, resolve investir em uma matéria-prima que estava ficando para trás.”
De acordo com Cunha, não se trata de uma falta de visão de D. Rodrigo, que era um analista muito sofisticado do ponto de vista intelectual, mas de uma visão sistêmica coerente dentro do Reformismo Ilustrado. O objetivo, nesse caso, era implementar uma política de substituição de importações de seda estrangeira, por parte de Portugal, que se beneficiaria adicionalmente da exportação dessa produção para o mercado consumidor brasileiro, criando com isso arranjos econômicos que faziam com que a colônia ficasse ainda mais dependente do Império. “Ou seja, uma tentativa de mudar as coisas para, no final, preservar as vantagens comerciais que Portugal tinha sobre sua principal colônia.”
Segundo o pesquisador, esses resultados permitem questionar algumas das análises feitas pela historiografia. Uma delas é a de que o endurecimento do Pacto Colonial teria sido uma miopia de Portugal, que não teria compreendido as mudanças da época. “Na verdade, o que se nota é que não se trata de uma miopia, mas de uma estratégia clara de Portugal para preservar suas vantagens comerciais, a qual parece abrir caminho para a derrocada do Império português”, conclui o pesquisador.