Por Rodrigo de Oliveira Andrade
O número de matrículas em cursos de educação a distância (EaD) em instituições privadas de ensino superior no Brasil saltou de 1.202.503 em 2014 para 4.148.677 em 2022. E é bem provável que essa tendência se mantenha nos próximos anos. Dados do Censo da Educação Superior de 2022, divulgados em 2023, indicam que 65,2% dos ingressantes no ensino terciário optaram por cursos nessa modalidade. Mas como foi possível que as inscrições em cursos desse tipo aumentassem tanto em pouco mais de uma década no país?
Para tentar responder a essa pergunta, um grupo de pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país debruçou-se sobre as bases legais que regulamentam a modalidade de EaD no âmbito da educação superior nacional e também sobre os dois últimos Planos Nacionais de Educação (2001-2011 e 2014-2024), um dos principais documentos da política educacional do Brasil.
Ao analisarem esses instrumentos normativos, identificaram três momentos envolvendo a implementação e o desenvolvimento da EaD no país. O primeiro, entre 1996 a 2005, caracteriza-se por ser uma fase de regulamentação para a expansão dessa modalidade de ensino; o segundo, de 2006 a 2015, é marcado pelo primeiro crescimento significativo da oferta de vagas e matrículas.
O terceiro momento, iniciado a partir de 2016, caracteriza-se pela desregulamentação do setor e concessão de novas características ao seu processo de expansão. “É quando se estabelecem as regras que irão permitir a aceleração de um processo expansionista da oferta de cursos nessa modalidade”, diz a socióloga Maria Lígia de Oliveira Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das autoras de um estudo publicado recentemente na revista Inter-Ação, no qual apresenta esses resultados.
Esse período teve início no governo de Michel Temer (2016-2018), com a Portaria n. 18, de 15 de agosto de 2016, e com o Decreto n. 9.057, de 25 de maio de 2017, que permitiu o credenciamento de instituições de ensino superior dedicadas exclusivamente à oferta de cursos de graduação e pós-graduação lato sensu a distância, e habilitou instituições na modalidade sem a exigência de credenciamento prévio para a oferta presencial e de avaliação in loco dos polos educacionais.
No final do mandato de Temer, ainda foi publicada a Portaria n. 1.428, de 28 de dezembro de 2018, responsável pela denominada hibridização, isto é, cursos ofertados e regulamentados na modalidade presencial, mas que possuem parcela expressiva de sua carga horária (até 40%) oferecidos na modalidade a distância. “Esse conjunto normativo facilitou a ampliação da oferta de cursos e das matrículas na EaD”, comenta Barbosa.
O caso dos polos de educação a distância ilustra bem esse fenômeno. Eles funcionam como um ponto de venda de cursos de EaD. Estão espalhados pelo país, muitas vezes com instalações físicas mínimas, captando alunos. “Eles costumam ser mantidos por parceiros comerciais das instituições de ensino superior, que os implementam sob a orientação da instituição mantenedora dos cursos, recebendo percentuais sobre o seu faturamento, modelo bastante semelhante ao de uma franquia”, esclarece Barbosa. O número de polos de EaD em instituições privadas saiu de 3.695 em 2014 para 43.053 em 2023.
Segundo os pesquisadores, o que se verifica é que o crescimento da oferta e das matrículas de cursos EaD, especialmente a partir da terceira fase, resulta de uma política pública pensada para alargar o acesso à educação superior, mas que acabou sendo usada como estratégia comercial das grandes empresas do setor educacional, que a tratam como um serviço de baixo custo para atender a demanda de alunos que não conseguem ingressar em cursos presenciais, sejam eles públicos ou privados.
“A partir da terceira e atual fase de implementação da EaD, esse modelo de formação ficou concentrado na mão de poucas empresas, que atuam de maneira muito desenvolta em um mercado pouco regulado”, destaca Barbosa. Segundo ela, é nessa conjuntura que o forte crescimento da oferta e matrículas de cursos na modalidade a distância, especialmente a partir de 2018, foi acompanhado pela redução do número de alunos nos cursos presenciais, de tal forma que em 2019, pela primeira vez, o número de ingressantes em cursos na modalidade EaD foi superior ao presencial.
Apesar dessas questões, o aumento da oferta de cursos EaD resultou em um acesso maior, e mais diversificado socialmente, à educação superior. Resta saber, no entanto, o quanto esse acesso ampliado se dá em condições adequadas de qualidade da formação e de aceitação dos graduados no mercado de trabalho.
O artigo publicado na Inter-Ação é apenas um dos resultados de um projeto maior, com várias frentes de pesquisa, que tem como objetivo geral fazer um diagnóstico das políticas de ensino superior no Brasil e em outros países da América Latina. Para isso, estão estruturando uma rede de pesquisa envolvendo várias instituições. A ideia é que o conhecimento produzido contribua para o aperfeiçoamento das políticas de ensino superior na região e para o processo de formação de gestores públicos e privados nessa área.