Expansão do agronegócio está afetando os ribeirinhos na Amazônia

Avanço da fronteira agropecuária compromete a economia e as práticas de subsistência de comunidades que vivem às margens dos rios Purus e Madeira, no sul amazonense

Notícias

Por Rodrigo de Oliveira Andrade

A expansão da fronteira agropecuária nos municípios de Boca do Acre, Lábrea e Humaitá, no interior do estado do Amazonas, tem colocado em risco a economia e as práticas de subsistência das populações ribeirinhas que vivem às margens dos rios Purus e Madeira, como a pesca artesanal, a agricultura de várzea (praticada à beira dos rios) e o extrativismo de açaí, cacau e castanha.

A conclusão é de um grupo de pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam), em Humaitá. Sob coordenação do sociólogo João Maciel de Araújo, eles têm empreendido uma série de entrevistas e reuniões com ribeirinhos de seis comunidades nessas regiões para identificar seus problemas e suas principais demandas. Os especialistas também querem entender como eles têm se articulado com gestores públicos, proprietários de terras, lideranças sindicais e comunitárias, e instituições de pesquisa e ambientais.

O objetivo é fazer um diagnóstico socioeconômico e produtivo dessas comunidades e criar um plano de desenvolvimento comunitário, “com diretrizes que os orientem a superar seus problemas e garantir seus direitos”, explica Araújo.

As entrevistas e reuniões têm lançado luz sobre como a expansão do agronegócio — baseado na monocultura de grãos e de pasto para a pecuária bovina de corte — tem impactado os modos de vida e a economia dessas populações nos últimos anos. “Uma das coisas que temos observado é que essas comunidades parecem ser invisíveis aos olhos do poder público, que tende a considerar a agropecuária o motor do desenvolvimento econômico da região”, diz.

região portuária de lábrea. Foto: João Maciel de Araújo

Segundo ele, os incentivos ao desenvolvimento econômico local estão majoritariamente voltados à promoção da agropecuária, em detrimento de atividades ribeirinhas ligadas à pesca artesanal, à agricultura de várzea e à extração de frutos da natureza para consumo próprio e comercialização. “Isso contribui para ampliar a vulnerabilidade dessas populações”, comenta Araújo, acrescentando que a forte seca ocorrida na região agravou esse cenário.

Outro aspecto importante observado pelos pesquisadores diz respeito à falta de segurança fundiária para o desenvolvimento de atividades extrativistas. Araújo explica que a estrutura produtiva das populações ribeirinhas ao longo do ano baseia-se ora nas áreas de várzea, ora em terra firme. “Eles vivem a maior parte do tempo às margens dos rios, pescando e desenvolvendo sua agricultura de várzea”, diz o sociólogo. “Em determinado momento do ano, entram na floresta, onde passam semanas coletando frutos como açaí, cacau e castanha.”

Manejo de pirarucu em Jurucuá. Foto: Jelsenir Barbosa de Souza

O problema é que esses indivíduos não são donos dessas terras, que tampouco estão protegidas como áreas de conservação, de modo que eles ficam à mercê das regras impostas por aqueles que se dizem proprietários. “Muitos deles, com incentivo do poder público, optam por vender ou transformar suas terras em áreas de produção agropecuária”, afirma o pesquisador. “De uma hora para outra, muitos ribeirinhos deixam de ter autorização para circular por essas áreas e colher seus frutos.”

Mapas feitos pelas próprias comunidades — com auxílio dos pesquisadores e por meio de metodologias de cartografia social, baseadas em relatos orais ou antigas descrições —, indicam que houve uma diminuição do território pelos quais os ribeirinhos daquela região podiam circular e fazer o manejo tradicional de recursos naturais, além de um crescimento acentuado das áreas de produção agropecuária.

Muitos ribeirinhos e populações tradicionais precisam se deslocar para outras áreas. Chegando lá, no entanto, têm de disputar espaço e recursos locais com outras comunidades, o que, não raro, gera atritos e conflitos. Nas entrevistas feitas com moradores da comunidade Jurucuá, na Reserva Extrativista do Médio Purus, os pesquisadores ouviram relatos recorrentes sobre um aumento da quantidade de pessoas de outras localidades, que tentam pescar em determinados lagos da região e coletar castanha em áreas antes disponíveis exclusivamente aos moradores da reserva. 

Os pesquisadores agora estão trabalhando na sistematização dos dados coletados por meio das entrevistas e trabalhando com os membros das comunidades na concepção de seus planos de desenvolvimento. “A ideia é ajudá-los a se organizar para melhorar suas condições de vida a médio e longo prazo, orientando suas associações comunitárias sobre os tipos de pressões que elas precisam fazer junto ao poder público para conseguirem resolver esses e outros problemas a que estão sendo submetidos”, afirma o sociólogo.

Segundo ele, a pesquisa evidencia o contraste de visões de mundo e de relação com a natureza e os recursos naturais. “Para os ribeirinhos, essas regiões são fonte de elementos que estruturam sua organização, baseada em relações de reciprocidade com a natureza, enquanto que para os agentes da frente de expansão agropecuária são meras fontes de obtenção de lucro”, conclui.

Produção ribeirinha em Boca do Acre. Foto: João Maciel de Araújo

Sobre o projeto: 

O projeto “As comunidades ribeirinhas amazônicas e a expansão do agronegócio: uma análise comparativa a partir dos rios Madeira e Purus, no Sul Amazonense” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: João Maciel de Araújo (Ifam)