As contradições do Novo Ensino Médio

Pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná identificam discrepâncias entre o que está na lei e a realidade das escolas

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Por Aline Weschenfelder

Após analisar mais de 50 documentos, pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Curitiba, identificaram contradições entre o que foi proposto pela Lei nº 13.415, que estabeleceu mudanças na estrutura do ensino médio, e o que está sendo efetivamente implementado em escolas paranaenses.

Além da Lei nº 13.415, os pesquisadores analisaram a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio e resoluções da Secretaria Estadual de Educação do Paraná relacionadas à implantação da reforma. Em seguida, foram a campo para observar como as mudanças estabelecidas pela lei eram implementadas em seis escolas do estado, eleitas com base em sua localização, turnos de aulas, especificidades do público, incluindo quilombolas e indígenas, e diversidade nas áreas tecnológicas dos cursos analisados.

Segundo o pesquisador Domingos Leite Lima Filho, professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da UTFPR e coordenador do projeto, uma das mudanças propostas pela lei do Novo Ensino Médio é permitir que o aluno escolha seu itinerário formativo, isto é, as disciplinas que mais lhes interessa, mas isso não acontece na prática, devido à falta de infraestrutura nas escolas, como observado nas seis unidades analisadas.

“Se um aluno optar por uma formação técnico-profissional na área de eletrotécnica e a escola não tiver um laboratório adequado, ela não poderá ofertar essa qualificação”, diz o educador. “Isso fez com que a lei fosse flexibilizada, dando às escolas a opção de não oferecer os cinco itinerários formativos, mas quantos puderem, o que reduz a possibilidade de escolhas por parte dos alunos”, complementa. Os itinerários formativos são Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e Suas Tecnologias; Linguagens e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Trabalho, tecnologia e formação

Os pesquisadores também se debruçaram sobre as concepções de trabalho, tecnologia e formação presentes nos documentos que integram a proposta do Novo Ensino Médio. Ao analisá-las, observaram que elas reduzem um conjunto de possibilidades para que os alunos adquiram conhecimentos gerais, e também divergem da realidade das escolas.

Em relação à concepção de trabalho, os documentos relativos à reforma destacam ajustes que deveriam permitir uma colocação qualificada e imediata no mercado. No entanto, foi verificado que, na prática, se trata efetivamente de uma formação dirigida a um emprego precário e transitório, que afasta o aluno do pensamento crítico e dos processos produtivos modernos.

“A redução de disciplinas como filosofia, história ou física em alguns itinerários formativos, conforme previsto na documentação relacionada à Lei do Novo Ensino Médio, tira do estudante a possibilidade de ter conhecimentos lógicos mínimos que lhe permitam compreender e refletir sobre a sociedade moderna”, alerta Lima Filho.

Foto: Stefanie Oliveira/Humanamente

Para os pesquisadores, a concepção de tecnologia, mencionada nos documentos, vai além do computador, do celular ou de um software, e deve se referir a como os aparatos tecnológicos afetam relações sociais no contexto em que estão inseridas. Segundo eles, no contexto da reforma do ensino médio, o tema é abordado de forma instrumental, sendo atribuído às tecnologias uma concepção de neutralidade, autonomia e determinismo. “As tecnologias não são neutras, mas politizadas. Por serem sociais ou privadas, podem promover desemprego em massa ou serem reguladas. Não são autônomas, mas controladas ou de interesse de grupos sociais”, diz Lima Filho. “E nem determinísticas, uma vez que o país não é apenas consumidor, mas também produtor de tecnologia”.

Os autores do estudo pretendem dar continuidade ao trabalho, realizando entrevistas com professores e gestores das mesmas escolas. Agora, depois da análise documental e das observações feitas nas unidades, eles querem saber como esses profissionais interpretam as concepções de trabalho, tecnologia e formação pela perspectiva do Novo Ensino Médio.

“Esperamos ter essa etapa finalizada em 2025”, conclui Lima Filho.

Sobre o projeto:

O projeto  “Concepções de Trabalho, Tecnologia e Formação no Novo Ensino Médio: a Formação Técnica e Profissional” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Domingos Leite Lima Filho (UTFPR)