Por Rodrigo de Oliveira Andrade
O uso excessivo do “juridiquês” ainda representa uma das principais barreiras de comunicação entre operadores do direito e a população, dificultando o acesso à Justiça, sobretudo entre os mais pobres. Nos últimos anos, no entanto, algumas Defensorias Públicas passaram a investir em estratégias para reduzir essas barreiras, seja tornando as informações jurídicas mais acessíveis, seja promovendo debates internos sobre a simplificação da linguagem e a importância de uma comunicação mais clara e inclusiva.
Pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, e da Defensoria Pública da União (DPU) analisaram três dessas estratégias: a Cartilha Código de Defesa do Consumidor, da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS); a Recomendação de Linguagem Inclusiva, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ); e o Manual de Linguagem Não Sexista, da DPU.
Esses documentos têm estimulado um debate interno sobre a importância de uma linguística mais acessível e inclusiva. Caso da Cartilha do DPE-RS, que traduz conceitos jurídicos de maneira simples e acessível aos usuários do serviço de assistência jurídica gratuita, usando exemplos cotidianos para apresentar conteúdos que, na linguagem tradicional dos profissionais do direito, seriam expostos de maneira rebuscada e excludente.
Da mesma forma, o documento da DPE-RJ procura alertar os servidores da Defensoria sobre a importância de se evitar atitudes e afirmações racistas ou homofóbicas, sugerindo caminhos de mudança na linguagem. Assim, expressões preconceituosas são substituídas por termos mais inclusivos — traveco por travesti; sapatão por lésbica —, garantindo maior representatividade a pessoas historicamente excluídas.
Por sua vez, o manual da DPU procura construir um modelo de tratamento linguístico que não legitime a ideia de superioridade do sexo masculino e que colabore para a construção de uma sociedade de igualdade entre mulheres e homens. Em seu conteúdo há a apresentação de sugestões redacionais e orais de frases, com comparações entre as redações com conteúdo sexista e aquelas com respeito à diversidade. Assim, no lugar de “Os indígenas terão crédito”, entra “A população indígena terá crédito”, ao passo que “Os negros são maioria no Brasil” se transforma em “A população negra é maioria no Brasil”.
“A linguagem jurídica tende a ser um fator excludente e limitante na efetivação de direitos e democratização do acesso à Justiça. Cabe aos atores jurídicos tornar esse conhecimento acessível à população por meio da simplificação da linguagem”, comenta Alexandro Melo Corrêa, do DPU e um dos autores do estudo.
Esse e outros trabalhos integram o livro Acesso à justiça: pesquisas, políticas públicas e boas práticas (Editora Revista dos Tribunais). Lançada em fevereiro, a obra apresenta uma perspectiva abrangente, criteriosa e aprofundada sobre o tema a partir de uma série de estudos desenvolvidos nos últimos anos por pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa no país no âmbito do projeto “Políticas públicas e práticas de gestão de acesso à Justiça no Brasil”, financiado pelo Conselho nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O livro parte do entendimento de que o acesso à Justiça é hoje reconhecido como um direito humano básico. “Nesse sentido, estabelece um marco importante nas pesquisas sobre acesso à Justiça, ao refletir sobre as complexidades inerentes à temática e contribuir para o debate nacional, estimulando agentes políticos a encontrarem alternativas para melhorar o acesso à Justiça no país”, destaca Fabrício Castagna Lunardi, professor da Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), juiz de direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, e um dos organizadores do livro.
A obra divide-se em quatro partes. A primeira reúne análises de diferentes abordagens de promoção do acesso à Justiça, com estudos que exploram os desafios para um sistema jurídico mais moderno e igualitário, e a atuação do judiciário brasileiro em relação aos crimes de violência contra a mulher. A segunda debruça-se sobre o tema da comunicação com o cidadão. A terceira parte aborda a questão da governança, investigando o impacto das audiências virtuais no acesso à Justiça e no desempenho do Judiciário, a partir de percepções de profissionais jurídicos.
A quarta parte analisa as instituições e os programas de acesso à Justiça, discutindo os desafios para a criação e implementação de um protocolo de julgamento com perspectiva de gênero no Brasil e os serviços de suporte para acesso à Justiça oferecidos pelos Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP).
“O livro avança na compreensão das barreiras que impedem o acesso à Justiça no Brasil; ao mesmo tempo, ilumina exemplos e práticas notáveis de progresso e superação desses obstáculos”, destaca Lunardi.
O livro Acesso à justiça: pesquisas, políticas públicas e boas práticas pode ser adquirido na versão e-book no site da Editora Revista dos Tribunais.