Segmentação e fake news nas campanhas políticas

Cada vez mais as estratégias de comunicação de candidatos no Brasil se baseiam no uso de fake news e das mídias digitais para disseminar mensagens que se ajustam às crenças, aos interesses e às ideologias de grupos específicos, sugere estudo.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

Para eleger candidatos, cada vez mais as estratégias de comunicação política no Brasil têm se baseado no uso das mídias digitais para disseminar mensagens que se ajustam às crenças, aos interesses e às ideologias de grupos específicos. Essa é uma das conclusões de um projeto desenvolvido por pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) que analisa as consequências das mídias digitais nos processos eleitorais e na democracia na América Latina.

Sob coordenação de Arthur Ituassu, professor de comunicação política da PUC-Rio e pesquisador associado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, eles entrevistaram 28 profissionais de campanhas políticas no Brasil entre junho e dezembro de 2020, entre eles jornalistas, publicitários e marqueteiros. O objetivo era verificar suas percepções sobre como a internet tem afetado as plataformas eleitorais no país nos últimos anos.

Os entrevistados trabalharam em campanhas para presidente, governador, prefeito, vereador, deputado estadual e federal em São Paulo, no Espírito Santo, em Brasília, na Bahia, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, atuando em partidos de diversos espectros ideológicos. Por causa da pandemia, todas as entrevistas foram feitas por Skype ou Zoom.

Ituassu e sua equipe usaram técnicas de análise coletiva manual e ferramentas de inteligência artificial (IA) para analisar os dados coletados nas entrevistas e identificar os principais temas abordados pelos entrevistados e os significados que eles adquiriam em suas falas. Os temas mais mais frequentes foram democratização, fake news e segmentação

O tema segmentação foi abordado por 71% dos participantes, sendo recorrentes declarações do tipo “hoje a gente abre a ferramenta de anúncios do Facebook e já tem a possibilidade de construir diversos tipos de público”, ou mesmo “quem não for muito criativo, inteligente, quem não segmentar… o candidato que não trabalhar microssegmentação… quem fizer campanha de propaganda de massa, está fora”.

Um dos entrevistados relacionou a segmentação à campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Segundo ele, a campanha de Bolsonaro conseguiu fazer “um processo de segmentação bem eficiente”. “Eles fizeram algo fundamental hoje em campanhas, identificar quem é o público, o que esse público deseja e falar para cada público aquilo que ele quer ouvir.” Para esse entrevistado, a campanha de Bolsonaro foi guiada “por ódio, mas também por dados”.

O tema da democratização apareceu em 53% das entrevistas, sendo quase sempre relacionado à ideia de que as mídias digitais — especialmente as redes sociais — proporcionam um canal para a livre expressão individual. “Elementos fundamentais desse tema são a interação e a possibilidade de se comunicar com o eleitor sem passar pelos filtros do jornalismo, o tradicional gatekeeping, além da ideia de uma representação direta, com a possibilidade de maior proximidade entre representantes e representados”, explica Ituassu. 

Nesse contexto, segundo o pesquisador, as mídias digitais democratizam porque empoderam o cidadão, equilibram as oportunidades de expressão, de ser ouvido, reforçando o caráter participativo nas democracias. “Na avaliação dos entrevistados, as mídias digitais fortalecem o lado do cidadão e do povo nas relações com a mídia e os políticos, equilibrando as oportunidades de fala”, acrescenta.

As fake news também se tornaram elemento estratégico das campanhas, sendo mencionada em 53% das entrevistas. “Uma fake news bem-feita tem estratégia“, afirmou um entrevistado. “As fake news só funcionam se houver uma percepção de verdade”, disse outro. “Se você disser que o Bolsonaro vai casar com o Sérgio Moro, ninguém vai acreditar. É preciso que haja uma possibilidade de verdade.”

De acordo com Ituassu, sobre esse tema, predominaram duas perspectivas. A mais otimista trata o fenômeno como algo “natural” e que “sempre existiu e sempre vai existir”. A outra, mais pessimista, compreende as fake news como algo fora de controle e que tende a piorar.

No contexto das eleições municipais de 2020, alguns entrevistados ressaltaram uma situação mais complexa na disputa pelas prefeituras, especialmente nos municípios menores. Segundo eles, o caráter acirrado e majoritário do pleito para os Executivos municipais e a escassez de recursos midiáticos nas pequenas cidades favoreceram o uso de desinformação como estratégia de campanha. “Quando você sai da campanha presidencial e vai para o município em que não tem rádio, não tem jornal… Como a campanha funciona nesses lugares? É no boca a boca, no WhatsApp, nas redes sociais”, afirmou um entrevistado da pesquisa.

Os participantes do estudo da PUC-Rio informaram que a desinformação exige técnica e estratégia. Um deles chamou a atenção para o fato de que para “fazer [fake news] de forma profissional, de um jeito que traga resultado, você tem que ter uma estrutura para isso”. Segundo ele, “é mito achar que você inventa qualquer coisa, solta nas redes e as pessoas vão acreditar de imediato. Para isso acontecer, você precisa de um trabalho consistente de fake news”. De acordo com outro participante, “uma fake news bem-feita tem estratégia. No primeiro parágrafo tem uma verdade, no segundo informações que não são verídicas, números reais e aí conclui com uma informação falsa”.

Na mesma linha, outro entrevistado afirmou que as fake news não querem “provar uma verdade”, mas, sim, “gerar uma dúvida”. Segundo ele, uma dúvida “de cunho moral”, plantada contra um certo candidato às vésperas do pleito, “pode atrapalhar a intenção de voto que aquele candidato poderia ter”. 

Na avaliação de Ituassu, fica claro que as fake news se transformaram em um elemento estratégico que, para obter resultados, exigem tempo e recursos das campanhas. “São feitos cálculos sobre a possibilidade de utilizá-las ou não”, diz o pesquisador.

Ituassu e sua equipe também têm se debruçado sobre um novo fenômeno na América Latina, batizado por eles de “direita radical digital”. A identificação e conceitualização desse fenômeno avança com base em análises de políticos que ascenderam ao cenário político após a primeira eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. “Começamos em 2018 com Jair Bolsonaro, depois com Nayib Bukele, en El Salvador, em 2019, José Antonio Kast Rist, no Chile, que chegou ao segundo turno das presidenciais em 2021, Rodolfo Hernandes, que também chegou no segundo turno das presidenciais colombianas com uma campanha de direita radical totalmente digital, e Javier Milei em 2023 na Argentina”, diz o pesquisador.

“Esses políticos compartilham algumas características”, explica Ituassu. “Veem as desigualdades como algo natural das sociedades, e que o Estado não deve atuar para combatê-la, vão contra os preceitos do liberalismo na democracia, como a independência das instituições, da agência eleitoral, o direito das minorias, a liberdade de imprensa etc., e, muito importante, são relativamente novos no cenário político, com forte presença e performance digital.” Segundo o pesquisador, é preciso compreender o fenômeno para entender melhor seus possíveis desdobramentos.

Sobre o projeto

O projeto “Mídias Digitais, Eleições e Democracia no Brasil e na América Latina: uma Abordagem Comparada e Interdisciplinar” foi aprovado na chamada nº 40/2022 do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenador: Arthur Cezar de Araujo Ituassu Filho (PUC-Rio)