Aliança estratégica contra a desinformação científica

Jornalistas e cientistas trabalharam juntos contra a desinformação científica durante a pandemia, indica estudo do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia que analisou a cobertura jornalística do período.

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Por Stefanie Oliveira

Um estudo publicado recentemente na revista Journal of Science Communication (JCOM) verificou que jornalistas e cientistas trabalharam juntos para denunciar casos de desinformação científica durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. A conclusão resulta de uma análise de 226 notícias, reportagens e artigos de opinião publicados de 2020 até o início de 2022 no jornal Folha de S.Paulo, no site Metrópoles e na revista de jornalismo científico Pesquisa Fapesp. O objetivo dos pesquisadores do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), da Fundação Oswaldo Cruz, era analisar o problema público da desinformação científica na mídia brasileira durante o período.

imagem: freepik

Embora a circulação de notícias falsas sempre tenha acontecido, seu status como problema que merece atenção da sociedade é mais recente”, comenta Fábio Henrique Pereira, professor de jornalismo científico na Universidade Laval, no Canadá, e autor principal do estudo.

Segundo ele, as pessoas só começaram a dar atenção a esse problema e aos seus efeitos deletérios na sociedade durante a pandemia. 

A desinformação nesse período adquiriu uma forte dimensão política, com grupos anticiência politizando o debate e negando evidências científicas. O governo federal foi um dos principais responsáveis pela instrumentalização da desinformação para fins políticos. Como resposta, médicos e cientistas se envolveram no debate público, seja confrontando discursos negacionistas ou defendendo a credibilidade da ciência. 

Médicos enfrentaram diretamente os efeitos da desinformação, lidando com a resistência de parte da população às medidas de distanciamento social e à vacinação. Já os políticos usaram a desinformação de maneira estratégica para minimizar os efeitos reais da doença e influenciar a opinião pública a favor do uso de medicamentos de eficácia não comprovada e contra a vacina.

No entanto, o estudo sugere que a resposta dos diferentes atores foi mais complexa que simplesmente um confronto entre negacionistas e cientistas. “No contexto da pandemia, tivemos políticos negacionistas e políticos que endossaram a ciência. Assim como parte da comunidade médica também endossou o uso de cloroquina e da ivermectina, por exemplo”, observa Pereira. 

Os pesquisadores verificaram que os veículos de comunicação utilizaram 819 claim makers  indivíduos ou grupos que levantam reivindicações ou argumentos sobre um determinado problema social — para estruturar seus debates. Alguns textos usaram até 11 fontes de informação — embora a maioria tenha usado de uma a três —, sobretudo nacionais, majoritariamente ligadas a instituições governamentais.

A cobertura jornalística durante a pandemia confrontou e mobilizou dois tipos de discurso, um de ordem médico-científica e o outro de ordem política. As fontes médico-científicas e as fontes políticas apareceram em cerca de metade dos artigos como vozes contrastantes no debate sobre ciência e desinformação.

Os pesquisadores também constataram que, na tentativa de combater a desinformação científica, jornalistas e cientistas formaram uma espécie de aliança. “Existia o interesse dos jornalistas que mediaram o debate e das fontes científicas e médicas de se opor a discursos de natureza falsa, às teorias da conspiração, aos discursos anticiência, e aos tratamentos sem comprovação científica”, relata Pereira. “Ambos construíram sua legitimidade por meio de uma informação verificada e validada”.

Os autores estão agora expandindo a pesquisa para analisar conteúdos digitais e entrevistar os principais atores envolvidos no debate, buscando entender suas motivações e estratégias. Eles também planejam explorar a dimensão transnacional do fenômeno, comparando o impacto da desinformação em diferentes países.

Sobre o estudo:

O artigo “Jornalistas e cientistas juntos: o problema público da desinformação científica no Brasil”, assinado por Fábio Henrique Pereira e Raphael Sandes de Oliveira, foi publicado na revista Journal of Science Communication.

Imagem da capa: Canva