Direito à informação ainda é privilégio de poucos no Brasil

A falta de conhecimento é uma das barreiras que as minorias enfrentam para solicitar o acesso a dados da Controladoria-Geral da União (CGU), segundo estudo da UnB

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Por Aline Weschenfelder

Criada em 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) assegura a pessoas de qualquer idade ou nacionalidade, empresas e organizações o direito de solicitar e obter informações de órgãos e entidades públicas. Mas será que todos sabem como acessar essas informações? Há discriminação no processo de pedidos de informações sobre casos envolvendo minorias? Essas perguntas norteiam um projeto de pesquisa em desenvolvimento por um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).

Eles estão analisando pedidos de acesso à informação feitos por mulheres e a população negra sobre temas que afetam e dizem respeito a esses grupos, e que, por isso, os interessam. A ideia é investigar como essas solicitações são efetuadas e verificar se há elementos nesse processo que reproduzam as desigualdades que esses indivíduos enfrentam em seu dia a dia.

Os pesquisadores estão usando dados de uma base da Controladoria-Geral da União (CGU) que reúne informações de pedidos de acesso à informação feitos em todo o país. Segundo a advogada Ana Claudia Farranha, professora da Faculdade de Direito da UnB e coordenadora do projeto, as buscas nesse tipo de bancos de dados costumam estar relacionadas a ações e programas governamentais voltados para grupos minoritários. “Encontramos muitos pedidos de informações sobre a aplicação da Lei de Cotas em concursos públicos”, exemplifica.

Imagem: Freepik

Pedidos de informação que são negados aos solicitantes, principalmente os que são relacionados a massacres envolvendo pessoas negras ou ao aborto, no caso das mulheres, são aspectos que também motivaram o estudo. “Qual a razão de colocar sigilo nessas situações? Será que não há discriminação?”, questiona Farranha.

Também foram realizadas oito entrevistas com lideranças negras e mulheres para saber se já tentaram acessar alguma informação da CGU e, quais dificuldades enfrentaram durante o processo. Os pesquisadores questionaram a respeito do contexto social em que a pessoa vive e o que poderia ser melhorado nas práticas de acesso à informação. 

O acesso às informações da CGU se dá por meio de um cadastro no site do órgão. É preciso preencher um formulário de requisição e acompanhar o pedido por meio de um protocolo enviado para o e-mail do solicitante. No entanto, os entrevistados disseram ter dificuldades para acessar os dados e que os obstáculos começam no pedido. “Nem todo mundo sabe como fazer a solicitação”, afirma a pesquisadora. “Geralmente quem consegue acesso está vinculado a organizações estruturadas ou tem facilidade e conhecimento sobre burocracias e tecnologia”, comenta.

Diante das dificuldades identificadas, os pesquisadores decidiram criar um curso de extensão online sobre o acesso à informação, que será disponibilizado na plataforma da UnB. As aulas devem ser lançadas em outubro e serão direcionadas a estudantes de graduação, pós-graduação, profissionais que trabalham com organizações não governamentais voltadas aos direitos de pessoas negras e mulheres e ao público que atendem. 

“A ideia é que eles possam incorporar esses conhecimentos às suas lutas”, explica Farranha. “Quanto mais a população estiver informada, melhores serão suas escolhas”, completa a advogada.

A análise também está sendo feita nos Estados Unidos, para fins de comparação dos dados entre os dois países. Os pesquisadores ainda planejam estudar casos envolvendo massacres contra a população negra – como ocorreu na Chacina do Jacarezinho, em maio de 2021 no Rio de Janeiro; e o assasinato de George Floyd, em maio de 2020 nos EUA. A ideia é entender como as informações relativas a esses tipos de episódios são processadas e acessadas pela comunidade em geral.

Os resultados do estudo devem servir de aporte para pesquisas sobre acesso à informação e a dados, capitalismo de vigilância, discurso de ódio e na elaboração de novas políticas públicas.

Sobre o projeto:

O projetoDireito de acesso à informação pública e desigualdades de gênero e raça: analisando os contextos de implementação da LAI (Brasil) e do FOIA (Estados Unidos)” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Ana Claudia Farranha Santana (UnB)