Os impactos da plataformização do trabalho e da educação

Pesquisa aponta redução nos direitos trabalhistas e retrocesso na área da educação devido à crescente digitalização desses setores.

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Por Aline Weschenfelder

A crescente substituição do trabalho e da educação presencial pelo home office e ensino remoto tem contribuído para o adoecimento de trabalhadores e estudantes. O fenômeno também tem impactado os direitos trabalhistas e transformado a configuração de escolas e universidades. Essas conclusões resultam de análises realizadas por pesquisadores do Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho (TMT), vinculado ao Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que há 30 anos investiga as relações entre educação e trabalho.

As mudanças nas relações de trabalho e no contexto educacional associadas ao surgimento de novas tecnologias começaram a se manifestar na última década e se intensificaram na pandemia. Agora, os pesquisadores do TMT querem entender como essas transformações estão influenciando a organização escolar. 

O universo do trabalho está diretamente relacionado à educação, na medida em que muitos trabalhadores são estudantes  e/ou tem filhos matriculados no ensino fundamental e médio, apontam os pesquisadores.

Segundo Célia Regina Vendramini, coordenadora do projeto, o prolongamento das jornadas de trabalho e ensino não traz benefícios aos trabalhadores e alunos. “Essa ampliação não significa mais conhecimento e formação, pois as reformas são orientadas a partir daquilo que o mercado de trabalho precisa”, adverte.

A crítica de Vendramini se direciona principalmente ao enfoque superficial e fragmentado das reformas de ensino, majoritariamente centradas no desenvolvimento de competências, habilidades e subordinação ao mundo do trabalho. “Essas reformas diminuíram o caráter científico da escola”, lamenta a pesquisadora, que defende que a escola pública tenha sustentação em conhecimentos científicos, e que crianças e jovens aprendam mais sobre o mundo, a natureza e a sociedade. “Uma formação profunda gera autonomia, capacidade de indagar, de se posicionar, pensar e refletir”, completa.

Os impactos da plataformização do trabalho na saúde 

Soraya Franzoni Conde, pesquisadora do TMT, destaca que a plataformização do trabalho – prestação de serviços de forma independente por meio de plataformas digitais – está desencadeando uma série de problemas de saúde em profissionais e estudantes. “Profissionais em trabalho remoto e alunos de escolas e universidades com ensino à distância têm se queixado de doenças psicológicas”, relata. 

Segundo ela, o trabalho plataformizado pode comprometer tanto a saúde física como  mental, uma vez que está associado a longas jornadas de trabalho e a fatores como exaustão e insegurança. “A plataformização transformou o trabalhador em um sujeito sempre disponível para realizar suas tarefas”, afirma a pesquisadora. “Trabalhando em casa, as pessoas incorporam a vida profissional à doméstica, flexibilizando seu tempo, mas aumentando suas responsabilidades.”

Imagem: freepik

Críticas às plataformas digitais na educação 

Vendramini acrescenta que, na área da educação, sempre houve resistência à digitalização do ensino, mas, na pandemia, criou-se as condições para implementar a iniciativa. O processo proporcionou a entrada do Google, da Microsoft e de outras grandes empresas no mundo da educação, as quais passaram a fazer convênios com universidades e redes públicas de ensino.

Segundo Vendramini, a introdução das plataformas digitais na educação pode gerar formas de controle físico e mental de docentes. “Os professores passaram a ser muito mais controlados por um sistema em que todo trabalho realizado é registrado”, aponta. Outras consequências futuras — e danosas — podem ser, segundo ela, a padronização de currículos, das avaliações e de recursos educacionais.

Os pesquisadores estão analisando documentos da política educacional brasileira que orientam os currículos e a organização do trabalho escolar, além de dados censitários e estatísticos, para identificar as condições de vida, trabalho e escolarização de crianças, jovens, adultos e profissionais de diferentes áreas.

O projeto envolve ainda a observação de gestores, professores e estudantes de escolas públicas de educação básica de Florianópolis, em Santa Catarina, escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade da educação básica destinada a jovens e adultos acima de 15 anos que não tiveram acesso e/ou não concluíram o ensino fundamental.

Os próximos passos da pesquisa incluem a observação do cotidiano escolar, realização de grupos focais, aplicação de questionários entre estudantes do ensino médio e conversas com familiares de alunos do ensino fundamental. Os dados serão coletados em escolas públicas de Santa Catarina.

Contribuem com a pesquisa a Universidade de Brasília (UnB), as universidades federais de Goiás (UFG) e Pelotas (UFPel), a Universidade de Veneza, na Itália, e a Universidade da Cidade de New York, nos Estados Unidos.

 

Sobre o projeto

O projeto “A reconfiguração da escola diante das atuais transformações no mundo do trabalho” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Célia Regina Vendramini (UFSC)