Políticas e Fluxos Prisionais: Experiências de Vida em Torno dos Cárceres no Norte e Nordeste do Brasil
Coordenador Fernando de Jesus Rodrigues (UFAL)
Os sistemas carcerários do Norte e Nordeste do Brasil ganharam maior espaço no debate público a partir dos “massacres” em presídios de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte, entre fins de 2016 e início de 2017. Em publicação recente (Rodrigues et al, 2022) demonstramos como esses eventos estimularam novos interesses e diálogos acadêmicos, em nível nacional (p.e. Mallart & Godoi, 2017; Manso & Dias, 2018; Feltran et al, 2022; Motta et al, 2022); ao mesmo tempo, apontamos para a importância do acúmulo anterior de estudos locais/regionais sobre violências para uma perspectiva mais atenta a dinâmicas locais, incluindo pesquisas sobre prisões (p.e. Cavaltante, 2006; Moreira, 2007; Sousa, 2008; Carvalho, 2009; Carvalho Filho, 2010; Segundo, 2011; Oliveira, 2012; Lourenço e Almeida, 2013; Siqueira, 2016; Rodrigues, 2017; 2020) e chamamos atenção para como essas produções se multiplicaram nos últimos anos (p.e. Silva e Gomes, 2020; Candotti, 2022; Siqueira & Paiva, 2019; Siqueira et al, 2022; Lemos Duarte & Melo, 2022; Couto, 2022 ). Nesse contexto acadêmico, a rede proponente vem colaborando em diferentes frentes de pesquisa, articuladas a projetos de extensão. Dedicamo-nos diretamente às dinâmicas da violência criminal e estatal em periferias e fronteiras nacionais (Paiva, 2019a, 2019b); às relações de poder e afeto e às mobilidades que ordenam/fazem mercados ilegais (Rodrigues, 2020); às transformações na produção e gestão carcerária do sofrimento e da tortura (Candotti, 2022; Godoi, 2017); às perspectivas epistêmicas e políticas de pessoas presas engajadas no crime (Biondi, 2018, 2022). Na intersecção entre essas pesquisas e na esteira de estudos contemporâneos (Cunha, 2014; Weegels et al, 2020), chama nossa atenção como o sistema carcerário opera como um dispositivo de gestão de populações que suscita e regula fluxos de pessoas, coisas e informações, com efeitos difusos sobre a vida social (Godoi, 2017). Em tempos de encarceramento em massa (Garland, 2001), o efeito desse dispositivo micropolítico é superdimensionado. Ele funciona por meio de tensionamentos entre agências heterogêneas, que incluem administração prisional, justiça estatal, segurança pública, sistema de saúde, meios de comunicação, igrejas, as próprias pessoas presas e egressas, coletivos político-criminais formados por elas, além de suas famílias e comunidades e dos movimentos sociais que atuam no campo dos direitos humanos. A partir dessa perspectiva, esta proposta visa interrogar as diferentes maneiras como as pessoas vivenciam e produzem fluxos e mobilidades dentro, fora e através das prisões, escrutinando como esses movimentos produzem redes afetivas, de proteção, de poder e de mercado que colocam em conexão as fronteiras estaduais e nacionais, a partir das prisões. Essa problemática central se desdobra em outras, relacionadas a questões econômicas, administrativas, afetivas e históricas. Dentre as questões relativas à economia, interessa-nos verificar como a experiência carcerária de pessoas presas, egressas e familiares se entrelaça com distintos mercados legais e ilegais, mas também como o dispositivo carcerário colabora na produção e regulação de mercados ilegais (drogas, minérios, eletrônicos etc) em meio a conflitos violentos entre coletivos criminais e policiais. Na esfera administrativa, pretendemos investigar quais são as táticas de controle da população carcerária e de ?gestão do sofrimento? empregadas pela administração prisional, como tecnologias militarizadas de disciplina vêm sendo instituídas, como as relações entre a administração e o judiciário incidem sobre essas táticas e, finalmente, como isso se relaciona com coletivos de presos e com movimentos de familiares. No âmbito dos afetos, propomos verificar quais relações afetivas o dispositivo carcerário suscita, que formas as diferenças de gênero assumem e em que medida o dispositivo se apoia na afetividade produzida.
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