Projeto propõe uso de tecnologia social a favor da comunidade

Prática que une saberes populares e acadêmicos está contribuindo na resolução de problemas enfrentados por moradores de comunidades baianas. Projeto de pesquisa – inspirado em Paulo Freire – propõe trabalho colaborativo em benefício de escola e comunidade.

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Por Aline Weschenfelder

O trabalho colaborativo entre comunidade, escola e universidade tem sido uma alternativa para solucionar problemas pontuais na periferia de Ilhéus, Bahia, como o aproveitamento de terrenos abandonados, o reuso de água e o acesso a informações sobre serviços essenciais locais. 

As demandas, encaminhadas a escolas e universidades locais, partem dos moradores da região e são discutidas entre professores do ensino médio de escolas públicas e pesquisadores. Juntos, buscam opções para resolver as questões mais urgentes por meio de técnicas que unem saberes populares e acadêmicos. Algumas soluções – como a organização de um quintal produtivo, uma composteira e um sistema de captação de água da chuva, além da criação de um aplicativo que permite aos moradores acessarem informações sobre serviços básicos da região – já estão sendo implementadas com a participação efetiva da população local.

Essa prática de cooperação é denominada “tecnologia social” e “tem como foco a coparticipação e a coaprendizagem na tomada de decisões”, explica a educadora Simoni Tormohlen Gehlen. “Até então, as discussões da tecnologia social eram incluídas apenas no contexto de incubadoras sociais em algumas universidades”, aponta.

Apresentação sobre o acúmulo de lixo no bairro Foto: Banco de dados do GEATEC

Gehlen conduz uma pesquisa que está sendo desenvolvida no Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia, cujo objetivo é implantar a tecnologia social em escolas públicas da região, a partir de dados coletados por meio de entrevistas com professores, alunos e comunidade, bem como observação participante. O projeto dá continuidade a trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Abordagem Temática no Ensino de Ciências (GEATEC/UESC), também coordenado por Gehlen. A ideia é contribuir com a formação curricular e com a capacitação de docentes para trabalhar com a tecnologia social. Como o trabalho é realizado em comunidades, moradores da região também estão sendo beneficiados com soluções para problemas específicos, já que a grande maioria desses problemas está relacionada com a escola em que seus filhos estudam. 

A pesquisa propõe a introdução de conhecimentos sobre tecnologia social no currículo escolar, permitindo ao estudante colocar em prática temas abordados em sala de aula. “O objetivo é saber como levar essa prática para a escola e trabalhar conteúdos de ciências a partir desses problemas”, afirma Gehlen. 

A pesquisadora explica que deve haver uma concordância entre as disciplinas e a tecnologia social que está sendo desenvolvida. “Na elaboração do quintal produtivo, por exemplo, são as professoras de geografia e biologia que ficam à frente das atividades”, explica.

O quintal produtivo – prática realizada com pequenas produções de alimentos ao redor de terrenos residenciais – se difere da horta porque, além da plantação de hortaliças, são cultivados diferentes alimentos específicos da região em que ele é produzido. A ideia surgiu diante do problema causado por terrenos baldios próximos à escola, os quais eram utilizados como depósito de lixo. “A comunidade sugeriu plantar no local e a universidade está colaborando com a comunidade na construção de quintais produtivos”, diz Gehlen. 

Segundo a pesquisadora, o estudo está pautado no processo de investigação temática proposto por Paulo Freire no livro Pedagogia do Oprimido, no qual o autor propõe ouvir a comunidade para compreender suas reais necessidades e então “estabelecer ações para serem trabalhadas e solucionar os problemas”.

A proposta é fazer da escola um local de escuta das necessidades da comunidade. A pesquisa está mobilizando aproximadamente 40 alunos do ensino médio e 12 professores, além dos moradores da região periférica de Ilhéus.

Para as próximas etapas do estudo, os pesquisadores estão planejando um curso de formação envolvendo teoria e prática em tecnologia social, junto a investigadores da Universidade Nacional Pedagógica da Colômbia. “A interação com os pesquisadores colombianos deve agregar outras perspectivas e formas de trabalhar para serem colocadas em prática no Brasil”, presume Gehlen. 

Também participam do projeto a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Preparação e plantio do quintal produtivo. Foto: Banco de dados do GEATEC

Ações que estão sendo implementadas

O quintal produtivo com frutas, verduras e hortaliças específicas da região está sendo produzido nos fundos da escola e tem como propósito gerar alimentos para a merenda dos alunos. A manutenção do quintal será feita pelos responsáveis pela alimentação da escola.

O sistema de captação de água da chuva e a composteira também serão implementados na área da escola, mas ainda se encontram em forma de protótipo.

O aplicativo está sendo desenvolvido por uma equipe de engenharia de produção da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), parceira do projeto, e tem como finalidade proporcionar acesso a informações como a geolocalização do caminhão do lixo e os horários de funcionamento e consultas no posto de saúde local, além de permitir anúncios para venda de produtos produzidos pelos moradores da comunidade.

Sobre o projeto:

O projeto “A tecnologia social baseada na perspectiva de Paulo Freire e sua inserção na educação em ciências” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Simoni Tormohlen Gehlen (UESC)