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Pesquisa mapeia aplicação de acordos em casos de crimes ambientais

Pará, Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais são os estados que têm a maior concentração de ações penais relacionadas a crimes ambientais, revela estudo da UFRGS

Notícias

Por Washington Castilhos

O processo de enfraquecimento das instituições políticas e dos mecanismos de controle ambiental, especialmente durante o governo Bolsonaro, em que o país registrou altos índices de desastres ambientais – desde os incêndios na Amazônia à crise do garimpo ilegal na Reserva Indígena Yanomami –, fez com que o Ministério Público Federal (MPF) investisse mais no fomento ao combate das práticas criminosas contra a fauna e flora nacional. A atuação do MP chamou a atenção de uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que se interessaram em investigar a cartografia brasileira dos crimes ambientais. 

A pesquisa busca mapear como a realidade dos crimes ambientais federais chega aos tribunais e se relaciona ao acordo de não persecução penal (ANPP), mecanismo de justiça negocial criado pelo MPF para ser aplicado em casos de crime sem violência ou grave ameaça e que tenha pena mínima inferior a quatro anos. O mecanismo – objeto de estudo do grupo da UFRGS – foi introduzido pelo Pacote Anticrime em 2019, com foco nos crimes de corrupção, mas sua aplicação se estendeu para outros tipos de delitos, como os ambientais. 

“Em relação ao crime ambiental, parte-se do pressuposto de que todos os danos são graves. Mas, ainda que sejam graves, a pena é pequena. Então o acordo consegue ser mais rígido do que o juízo, às vezes até mais efetivo, com a exigência da reparação do dano ambiental”, explica a doutora em política pública Daiane Londero (UFRGS), pesquisadora da equipe.

Os pesquisadores estão traçando a cartografia criminal ambiental a partir das ações penais e dos ANPPs, buscando compreender como a macrocriminalidade ambiental e os delitos ambientais de pequeno porte retratam as diferentes regiões brasileiras. Ao olharem para essas ações, começaram a levantar dados do período de 2019 a 2022. “Interessa-nos entender os tipos de dano ambiental para os quais o ANPP está sendo aplicado”, ressalta Londero. 

Dados preliminares mostram que as ações penais relacionadas aos crimes ambientais se concentram mais nos estados do Pará, Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais. Neste último, os acordos estão sendo aplicados em casos de mineração ilegal. Na Amazônia, nos crimes de desmatamento e tráfico internacional de animais. Em Santa Catarina, também para crimes de mineração ilegal. O estudo revela ainda que os crimes de agrotóxico, praticados pelo setor do agronegócio brasileiro, também estão sujeitos ao acordo. 

“Como as penas são baixas, todo crime ambiental é sujeito ao ANPP, a não ser que esteja em associação a crimes que não o permitam, crimes mais lesivos ao ambiente e cujas penas extrapolam os quatro anos”, explica a socióloga Lígia Madeira, professora associada do Departamento de Ciência Política da UFRGS e também membro da equipe da pesquisa. 

De fato, as penas são leves em vista da gravidade desses crimes. Segundo dados de 2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça, apenas um a cada 400 casos de crime ambiental resulta em prisão. E o crime pode prescrever a partir de três anos. A Lei de Crimes Ambientais (nº 9605/1998) impõe sanções penais e administrativas para infratores, mas é inoperante. Por exemplo: as normas atuais fixam uma detenção de apenas seis meses a um ano, além de multa, para quem matar, caçar ou perseguir espécies silvestres sem permissão; e preveem uma pena de um a três anos de reclusão para crimes de corte de árvores. 

Em 2024, foi encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei (n 4000/24) que propõe o endurecimento das penas, especialmente em casos de desmatamento ilegal e de incêncios florestais. Entre outros pontos, o texto do projeto eleva a pena para quem provocar incêndio em floresta para 3 a 6 anos de reclusão e multa, podendo ser superior em caso de agravantes (Fonte: Agência Câmara de Notícias).

Assim, até que a proposta seja examinada e aprovada, todo infrator que comete crime ambiental continuará podendo se beneficiar de acordos.

Crime ambiental e crime organizado

Os dados do estudo da UFRGS aos poucos vão demonstrando como esses crimes vêm sendo tratados pelo Judiciário no Brasil, e como uma política nascida no Paraná – o ANPP nasceu como bandeira da Operação Lava Jato – se expandiu para outras regiões. 

A equipe também tem observado como a atuação institucional se difere entre estados. No Pará, os crimes ambientais tanto recebem acordo de não persecução penal como ações penais, por conta da associação com outros crimes praticados pelos acusados. “A capacidade estatal do MP no estado é pujante em comparação com a Amazônia, onde há um MP pouco presente, dada a grande dimensão geográfica”, diz Londero.

Um dado chama a atenção das pesquisadoras: a possível relação entre crime ambientais e crime organizado. “Os estados em que os acordos e ações penais caminham juntos nos levam a pensar na relação entre um e outro. Sabemos que a atuação de facções vem se diversificando, especialmente na região norte”, analisa Madeira.

Segundo as pesquisadoras, a  falta de interoperabilidade entre os estados é uma dificuldade a ser superada pelo sistema Judicial. “Avançamos na obtenção dos dados, mas as agências não conversam. Então, não se sabe qual crime o acusado por um delito ambiental no norte pode ter praticado no sul”, argumenta a socióloga, referindo-se às falhas e inconsistências no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMPP), sistema eletrônico do Judiciário brasileiro que permite gerir informações sobre pessoas presas e sujeitas a processos criminais.

Sobre o projeto 

O projeto “A aplicação do Acordo de não Persecução Penal (ANPP) pelo Ministério Público Federal: discricionariedade e seletividade em suas escolhas de política criminal” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenadora: Melissa de Mattos Pimenta (UFRGS)