Comparativamente aos outros países, a análise documental dos currículos de ciências feita até o momento deixa claro que a temática no Brasil está desatualizada. “Predomina uma noção de risco a partir de uma perspectiva antiga”, diz Pietrocola. “Nosso currículo não está alinhado ao currículo dos outros países”, completa.
De acordo com o pesquisador, no caso brasileiro persiste ainda uma visão sanitizada da ciência. “Ainda cultivamos no Brasil uma reverência à capacidade da ciência e da tecnologia de nos oferecer segurança, quando, na verdade, há uma zona de incerteza, e as pessoas têm de aprender a viver com ela”, acrescenta.
Segundo ele, discussões em torno dessa incerteza e da imprevisibilidade da ciência estão ausentes no currículo brasileiro, o que o torna desatualizado e não alinhado ao dos outros três países estudados.
Para ele, a pandemia foi um aprendizado nesse sentido, ao mostrar que é possível produzir conhecimento com uma dose de realismo e imprevisibilidade. Como no caso da vacina, desenvolvida em meio ao processo de evolução de uma doença desconhecida que envolvia um conjunto de variáveis.
“Foi uma situação em que não se teve a pretensão de saber tudo a priori. Assim, a ciência conseguiu trazer a sociedade para o seu lado. Essa mudança de perspectiva foi benéfica para diminuir a onda de ceticismo em torno dela”, lembra o pesquisador, referindo-se à crise epistêmica da ciência, que se traduz na perda de confiança e legitimidade das instituições científicas modernas, fenômeno bastante discutido e evidenciado durante a pandemia. “Sempre que há uma crise, as desconfianças afloram”, assinala.
Segundo ele, historicamente, a ciência vende um excesso de certezas que supostamente respondem a todos os problemas e dúvidas. E é aí que ela erra.
Um caso exemplar é o do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), inseticida de baixo custo que começou a ser utilizado na Segunda Guerra Mundial para eliminar insetos e combater doenças emitidas por eles – como malária, tifo e febre amarela – e para controlar pestes agrícolas. Até que se chegou à conclusão sobre seus malefícios. Quando seu uso foi interrompido, era tarde, pois o DDT já havia se infiltrado na água, contaminando os mananciais, e afetado a saúde humana, provocando danos neurológicos, respiratórios e cardiovasculares em populações expostas.
Outro exemplo é o uso do amianto, nome comercial de uma família de minérios muito utilizados pela indústria no último século. Já se sabia que a exposição à crisotila – tipo de amianto usado na fabricação de telhas e caixas d’água – causava câncer de pulmão, que podia se desenvolver até 50 anos depois. Mas, como 90% da sua produção era direcionada à construção civil, os impactos na saúde do trabalhador foram ignorados e os interesses da indústria prevaleceram.
“Não é que não se sabia que o amianto fazia mal. Mas optou-se por achar que o risco era controlado. Quando se entende que o problema vai além dessa zona de controle, entende-se também a noção de imprevisibilidade”, ressalta Pietrocola. “Por que não se montou um sistema de acompanhamento, um estudo de longo prazo para se ter certeza de que a situação estava controlada?”, questiona.
Para ele, as disciplinas de ciências são o ponto de partida para se discutir o tamanho dessa zona de controle da ciência, a partir de diversos estudos de casos, como por exemplo, o da Inteligência Artificial (IA), cujo surgimento trouxe incertezas em relação ao seu potencial de criar vídeos falsos e espalhar desinformação, além do medo de a automação impulsionada pela tecnologia levar à substituição de certas funções e tarefas, resultando na perda de empregos.
“No contexto atual, é necessário que os estudantes aprendam a tomar decisão em um ambiente de incertezas e que desconstruam o consenso no qual se acredita que o nível de incerteza diminui quando a resposta é dada”, finaliza Pietrocola.