Gestão de risco ao HIV ainda se baseia em aspectos estigmatizantes

Aparência corporal, por exemplo, continua a ser critério para tomada de decisão sobre prevenção, segundo estudo da UFPE com indivíduos de Recife.

Notícias

Por Rodrigo de Oliveira Andrade

O aumento do número de casos de infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo com homens no Brasil costuma ser associado a retrocesso moralista sobre sexualidade e gênero, e a baixos níveis de investimento público em campanhas e estratégias de prevenção. No entanto, outros fatores, mais ligados a aspectos pessoais e intersubjetivos, também podem ter contribuído para o aumento dos casos da doença entre esses indivíduos no país.

Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) têm investigado os critérios pessoais associados à gestão de risco para a exposição ao HIV entre jovens homens que fazem sexo com homens de Recife. Sob coordenação do psicólogo Luís Felipe Rios do Nascimento, do Departamento de Psicologia da UFPE, eles entrevistaram 40 indivíduos com idade entre 18 e 29 anos para entender sua história de vida sexual e a gestão de risco em relação ao HIV.

A gestão de risco se refere a um processamento cognitivo que envolve cálculos realizados por cada pessoa para decidir sobre determinada conduta, em função do conhecimento sobre o agravo e os modos de prevenção. As entrevistas feitas até o momento indicam que a decisão sobre o uso da camisinha e de outras formas de proteção, como a profilaxia pré-exposição sexual ao HIV (PrEP), parece se basear na estilização corporal e em vinculações afetivas.

imagem: freepik

“A ideia do ‘aidético’ como alguém magro, quase sem vida, condenado pela doença, ainda perdura no imaginário desses jovens, que se baseiam na aparência corporal do potencial parceiro para determinar se ele é portador do vírus e decidir sobre o uso de preservativo”, explica Nascimento. “Ou seja, para muitos, se é bonito, não tem a doença”, destaca o psicólogo.

A gestão de risco para o HIV também parece estar associada a outros processos de estigmatização. Muitos indivíduos disseram se sentir protegidos em determinados contextos em que as pessoas seriam mais esclarecidas sobre a doença e suas formas de prevenção. “Indivíduos de classe média, universitários, por exemplo, são considerados mais esclarecidos e, portanto, intrinsecamente protegidos do HIV, ao passo que gays pobres, sem ensino superior, teriam menos acesso à informação e, supostamente, seriam mais suscetíveis a práticas de risco e infecção pelo vírus”, afirma Nascimento. 

O conhecimento e a confiança, associados à figura de amigos e namorados, também parecem ser suficientes para que essa população relaxe nas medidas preventivas.

Esse comportamento também pautou a gestão de risco desse grupo em relação ao novo coronavírus (Sars-CoV-2). “Muitos entrevistados disseram ter quebrado o isolamento para socializar com amigos ou conhecidos porque confiavam que eles estavam tomando medidas de precaução para evitar a contaminação pelo Sars-CoV-2”, afirma Nascimento. “Com isso, percebemos que, tanto no caso do HIV quanto no da Covid-19, a bolha tende a deslocar a responsabilidade da proteção para os outros.”

No contexto da pandemia, muitos jovens relataram ter optado por transar com indivíduos com quem já haviam se relacionado antes, como forma de se proteger de uma eventual contaminação pelo novo coronavírus. Outros optaram por iniciar um relacionamento monogâmico para não precisar se expor a situações em que poderiam se contaminar pelo patógeno. 

Os pesquisadores devem continuar a análise dos dados buscando compreender os elementos que influenciam a conduta sexual dos homens em função dos contextos sociais, programáticos e subjetivos, considerando as afetações trazidas pelo enfrentamento ao Covid-19. “Certamente o estudo contribuirá para adensar a compreensão dos aspectos psicossociais das práticas sexuais, das medidas de prevenção e de exposição ao risco, possibilitando recurso para a elaboração de políticas públicas mais sensíveis à realidade dos HSH.”

Sobre o projeto: 

O projeto “Condutas sexuais de jovens homens que fazem sexo com homens e vulnerabilidade ao HIV à Covid-19” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: Luís Felipe Rios do Nascimento (UFPE)