Benefícios dos elos familiares na adoção tardia

Crianças adotadas que preservam memórias da família biológica têm mais facilidade em lidar com questões emocionais na vida adulta, segundo estudo.

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Por Aline Weschenfelder

Adoções tardias, envolvendo crianças a partir dos seis anos de idade ou com problemas de saúde, costumam ser desafiadoras por conta do preconceito e das dificuldades de adaptação. Além desses obstáculos, também podem ocorrer problemas no desenvolvimento socioemocional da criança como consequência da tentativa de romper memórias de suas experiências anteriores, incluindo as relacionadas à família biológica. 

Com base nesses e outros desafios do processo de adoções tardias, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estão analisando tais situações,  do ponto de vista das crianças adotadas e de suas famílias biológicas. 

“Nossa ideia é reforçar e valorizar a biografia desses jovens a partir da manutenção desses laços familiares”, diz a antropóloga Claudia Lee Williams Fonseca, professora da UFRGS e coordenadora do projeto. “Manter uma continuidade na trajetória de vida das crianças adotadas é fundamental para que elas tenham mais qualidade em seu desenvolvimento socioemocional”, afirma.

Ela e sua equipe estão entrevistando crianças adotadas e as que ainda aguardam pela adoção em instituições de acolhimentos de Porto Alegre (RS), Maceió (AL) e Rio de Janeiro (RJ), para saber o que elas pensam sobre a possibilidade de serem recebidas por outra família, suas expectativas sobre seu futuro e se têm interesse em voltar para a família biológica e/ou manter contato com seus pais biológicos e irmãos. 

Os pesquisadores também estão entrevistando as famílias biológicas de crianças que já foram adotadas e daquelas separadas dos pais devido à situação de miserabilidade. O objetivo nesse caso é entender como as famílias, principalmente as mães, enfrentam a situação. 

Por meio de análise documental e reuniões com os profissionais envolvidos no processo de adoção, Fonseca e sua equipe também querem compreender como funciona a política de contato e visitação das famílias no caso de crianças que vivem em instituições de acolhimento. “Queremos entender qual o papel da defensoria pública, quem decide sobre o desligamento entre a criança e sua família, e para onde ela é levada”, explica Fonseca.

Segundo a antropóloga, os profissionais envolvidos no processo de adoção têm se engajado na promoção de uma nova postura entre os adotantes em relação à adoção tardia, reforçando os benefícios para a criança ao manter vínculos com a família biológica. 

As análises preliminares das entrevistas apontam para a  existência de elos entre as crianças adotadas ou as que vivem em abrigos e suas famílias biológicas. “Mas também indicam muitos obstáculos para que essas relações sejam mantidas”, diz a pesquisadora. 

“É fundamental que os pais adotivos aceitem que a criança tenha outra família e que eventualmente queria conhecer e ter contato com ela, especialmente com os irmãos”, afirma.

Imagem: freepik

Mas ela ressalta que tudo depende das circunstâncias e de como a adoção é conduzida. “A adoção que possibilita o contato entre a família biológica e a criança é comum em países como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, mas no Brasil ainda é praticada de maneira informal”, explica Fonseca. “Por exemplo, na impossibilidade dos pais cuidarem de seus filhos, padrinhos e vizinhos ficam responsáveis pelas crianças, mas elas continuam mantendo vínculos com as famílias biológicas” 

A manutenção do elo varia de uma situação para outra e geralmente é decidida em conjunto com os profissionais que acompanham o processo. “Em determinadas situações, o contato pode se restringir a cartas, vídeos e visitas mediadas pelos serviços de adoção”, explica Fonseca. “O importante é manter as possibilidades abertas”, acrescenta Fonseca. 

Os pesquisadores devem continuar os contatos com os profissionais que atuam no sistema de adoção e analisar como a legislação relativa à prática funciona em outros países. A partir dos resultados obtidos, deverão fazer uma comparação com os dados brasileiros. 

O estudo é realizado em parceria com a Rede Internacional de Pesquisa sobre Família e Parentesco (Rede Anthera), que reúne pesquisas antropológicas relacionadas às parentalidades contemporâneas.

Sobre o projeto:

O projeto “Fabricação do parentesco e tecnologias de governo nas adoções tardias no Brasil” foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.

Coordenadora: Claudia Lee Williams Fonseca (UFRGS)