Legislação brasileira não acompanha as mudanças na rotina das escolas

Diferentes interpretações da lei também têm aprofundado a insegurança do trabalho docente, segundo pesquisa que está analisando as condições de carreira e remuneração de professores do Brasil e do Chile.

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Por Rodrigo de Oliveira Andrade

As políticas educacionais brasileiras não estão conseguindo acompanhar as mudanças na rotina das escolas, ao passo que diferentes interpretações da legislação têm aprofundado a insegurança do trabalho docente. Essas são conclusões preliminares de um grupo multidisciplinar de pesquisadores que está investigando as condições de carreira e remuneração de professores no Brasil e no Chile.

Sob coordenação da pedagoga Andréa Barbosa Gouveia, do Departamento de Planejamento de Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), eles estão dialogando com professores das redes públicas estaduais do Pará, Mato Grosso do Sul, Paraná e da Paraíba, e também da região de Maule, no Chile, para entender como eles compreendem a própria carreira e trajetória profissional, e de que maneira sentem que elas são impactadas pelas políticas educacionais de cada país. 

“Criamos grupos de 30 a 50 professores no WhatsApp para falar diretamente com eles sobre questões que vão desde o ingresso na carreira docente, como funciona a progressão, a composição de sua remuneração, o quanto as mudanças nas políticas nacionais afetam sua remuneração e poder de compra”, explica Gouveia.

Um dos aspectos avaliados pelos pesquisadores diz respeito à atividade docente temporária. Segundo a pedagoga, a Constituição Federal de 1988 instituiu um arcabouço legal que estipula limites para que a contratação de professores temporários seja realizada de forma excepcional pelas redes públicas de ensino. “O que temos observado, no entanto, é que, ao arrepio da lei, a presença de professores temporários é estrutural, permanente e persistente na educação pública brasileira”, diz Gouveia.

Imagem: Feliphe Schiarolli/Unsplash

Em 2011, primeiro ano em que o Censo Escolar incorporou essa modalidade de contrato docente, os professores temporários representavam 29% do total de professores da rede pública no Brasil; em 2020, esse número havia subido para 32%. Na última década, os professores temporários responderam por aproximadamente um terço dos docentes nas redes públicas de educação básica no Brasil. “A conquista do concurso público como condição de valorização da carreira docente ainda não foi totalmente implementada no país, e sofre reiteradas ameaças”, destaca a pesquisadora.

Um dos principais problemas enfrentados pelos professores temporários é a insegurança financeira. De acordo com Gouveia, nas discussões promovidas nos grupos de WhatsApp, são recorrentes os relatos de docentes temporários que precisam fazer dívidas no cartão de crédito porque perderam o vínculo que tinham até então. “Alguns viram tutores em cursos à distância, outros, sem alternativa, vão trabalhar como motorista de aplicativos de transporte ou entregadores de aplicativos de comida”, comenta a pesquisadora. “Casos como esses evidenciam um processo de contínua deterioração da dignidade do trabalho do professor temporário no país.”

Aqueles com vínculo formal também enfrentam dificuldades. Isso porque a legislação brasileira não tem dado conta de garantir recursos e infraestrutura adequada para que eles possam desempenhar suas atividades de acordo com o que a própria legislação estipula. Professores do Pará, por exemplo, deslocados para lecionar em escolas ribeirinhas em áreas isoladas ou de difícil acesso, têm comprado comida e materiais de aula com dinheiro próprio. Da mesma forma, a dinâmica da educação no campo não tem sido adequadamente contemplada pelas regras trabalhistas. Em muitas situações, os professores precisam se deslocar por longas distâncias e por diferentes meios, os quais consomem muito mais do que o vale transporte que recebem. “Sabemos que isso não é novidade no Brasil”, comenta Gouveia. “O que o nosso estudo está mostrando é que situações como essas têm sido a regra.” 

Gouveia e sua equipe ainda estão trabalhando na análise dos dados coletados nas conversas de WhatsApp. Eles pretendem compará-los com a realidade dos professores do Chile, submetidos a políticas de carreira e remuneração bastante diferentes das do Brasil. O objetivo é mapear nós críticos nas políticas de cada país. “No Chile, por exemplo, os professores falam muito sobre a falta de perspectiva de aposentadoria, ao passo que, no Brasil, a preocupação envolve mais as coisas que não serão incorporadas na remuneração, mudanças na regra de aposentadoria etc.”

A análise dos pontos de convergência e de divergência entre os casos de Brasil e Chile deverá permitir uma contribuição interpretativa para o campo de pesquisas sobre o trabalho docente e financiamento da educação, e para a produção de recomendações e propostas para a política de carreira e remuneração docente.

Sobre o projeto: 

O projeto “Políticas para carreira e remuneração docente: Um diálogo entre Brasil e Chile frente às marchas e contramarchas do neoliberalismo” foi contemplado na Chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq. 

Coordenador: Andréa Barbosa Gouveia (UFPR)