Dados esparsos e frágeis
A violência obstétrica é um problema antigo no Brasil. Em 2012, um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com 23,8 mil mulheres que deram à luz em 191 municípios indicou que 30% daquelas atendidas em hospitais privados sofreram algum tipo de violência obstétrica — no Sistema Único de Saúde (SUS), esse número foi de 45%. Mulheres negras estão entre as mais vulneráveis. “Existe a falsa noção de que elas são mais resistentes à dor, o que faz com que suas reclamações sejam ignoradas e elas sejam expostas a situações que se configuram como violência obstétrica”, afirma Allebrandt.
Segundo a pesquisadora, em casos em que foi realizada a episiotomia — corte abaixo da vagina para facilitar o nascimento do bebê em partos normais —, as mulheres negras receberam menos anestesia local quando comparadas a mulheres brancas. “Essa realidade, cotidiana e cruel, revela uma violação dos direitos das mulheres grávidas, com a perda da autonomia e decisão sobre seus corpos”, afirma Allebrandt.
Os dados sobre violência obstétrica são esparsos e frágeis. A dificuldade para se descrever a magnitude do fenômeno se dá porque muitas mulheres sequer sabem que foram vítimas de violência obstétrica. Traumatizadas, muitas hesitam ou demoram para denunciar. As que resolvem buscar justiça quase sempre esbarram em obstáculos burocráticos. Allebrandt cita seu caso como exemplo. Ela afirma que sofreu violência obstétrica à época em que deu à luz sua primeira filha. “Quis fazer a denúncia, mas precisava ter acesso ao meu prontuário”, ela conta. “Contratei duas advogadas e, mesmo assim, o hospital se recusou em fornecê-lo.”
Os esforços para conseguir dimensionar a extensão do problema no país também esbarram em outra dificuldade: a resistência dos profissionais de saúde, que rejeitam o conceito, tomando-o como ofensa. “A expressão ‘violência obstétrica’ é quase um insulto para médicos e profissionais da saúde”, afirma Allebrandt. Entrevistas feitas pelo grupo com profissionais de saúde de Alagoas indicam que eles têm familiaridade com o termo, mas não reconhecem que essas violências são praticadas nos serviços de saúde em que atuam.
A expectativa das pesquisadoras é que a produção de materiais de educação permanente ajude a sensibilizar esses profissionais, de modo a fazer com que percebam que o problema é real e que ele carrega consigo significados culturais de desvalorização e submissão da mulher, atravessados pelas ideologias médica e de gênero, e pelo racismo estrutural e institucional dentro dos serviços de saúde.
Sobre o projeto
O projeto O projeto Maternidades destituídas, violadas e violentadas: construção de redes de pesquisa, acolhimento e formação em torno ao direito às maternidades foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq.
Coordenador: Lucia Eilbaum (UFF)