Tecnologia como aliada no aprendizado de crianças com TEA

Plataforma digital será usada como incentivo ao aprendizado de crianças com Transtorno do Espectro Autista

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Por Aline Weschenfelder

O autodesenho e o estímulo à compreensão do próprio comportamento são atividades que devem integrar uma nova plataforma digital, por meio da qual se pretende ampliar as potencialidades de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Nessa plataforma, as crianças serão incentivadas a interagir para se perceber e se compreender melhor. A ferramenta está sendo desenvolvida por um grupo de pesquisadores de diferentes instituições no Brasil e no exterior, entre elas a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).

A ferramenta fará uso de Inteligência Artificial, Realidade Virtual e Aumentada e da Gamificação, com o intuito de atender às necessidades de crianças identificadas com TEA, e deverá operar a partir da organização de jogos que envolvam autoria, interação, aprendizagem, afetividade e linguagem, habilidades frágeis às pessoas com a doença. Estes diferentes níveis de dificuldades se refletem, principalmente, nas relações sociais.

As crianças deverão utilizar a plataforma de acordo com seu próprio tempo, suas habilidades e capacidades. “Mas sempre provocando um pouquinho de ruído, de desafio para que elas deem um passo adiante dentro dessa trajetória de autodescoberta”, explica Rafael Hoff, participante do projeto e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 

O objetivo dos pesquisadores no projeto – intitulado “Na ponta dos dedos: uma plataforma digital para uma abordagem complexa do autismo” – é incentivar essas crianças a fazerem pequenas mudanças em suas rotinas por meio de atividades que estimulem o desafio de se autoperceber. Ou seja, ter consciência de si mesmo, ser capaz de compreender as próprias atitudes e descobrir suas potencialidades. Em razão das características singulares e da forma complexa com que o espectro se manifesta em cada indivíduo, o tratamento pode demandar o acompanhamento de diferentes profissionais. 

Segundo estatísticas divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças no mundo tem TEA. Elas podem apresentar condições que vão além do comprometimento social, como epilepsia, depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A partir desse entendimento, o estudo surgiu como uma proposta interdisciplinar e envolve cientistas de diferentes áreas do conhecimento, como Educação, Psicologia, Psiquiatria e Tecnologia da Informação. De acordo com os autores, essa abordagem multiprofissional faz com que as crianças possam ser observadas como um todo, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida e atendendo às necessidades específicas de cada uma delas.

Para o desenvolvimento da plataforma, os pesquisadores se apoiam na perspectiva da Autopoiese, teoria que pode ser entendida como uma construção do mundo a partir de um processo que envolve a autoexperiência, isto é, dinâmica na qual os seres humanos inventam-se a si mesmos, se experimentam e se percebem. Daí a importância de inseri-la na aprendizagem ligada à realidade, e não a uma ideia de adaptação, como costuma prevalecer no tratamento de crianças com TEA, segundo apontam os autores do projeto. 

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Crédito: Aline Weschenfelder

O projeto já conta com alguns resultados que contribuem para o desenvolvimento da plataforma, como a identificação de aprendizagens a partir da experiência dos familiares de crianças com TEA. A questão foi analisada por Ieda Maria Cassuli Bianchini, psicopedagoga e professora na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e participante da iniciativa. Segundo a pesquisadora, foram percebidas “expressões de cansaço, esgotamento e, ao mesmo tempo, esperança e amor pelos filhos”, por parte das mães de crianças com TEA. 

A psicopedagoga explica que essas aprendizagens aconteceram a partir de conversas com os familiares das crianças. Durante as interações foram reveladas experiências que transformaram o sofrimento naquilo que ela denomina como auto-organização. “A auto-organização/aprendizagem aconteceu por meio das emoções, pela amorosidade, pelo cuidado de si, do outro, da vida”, conclui Bianchini.

Pessoas com TEA encontram dificuldades em diferentes contextos, por isso inserir elementos que conduzam à percepção de si é um ponto importante. “A ideia é desenvolver atividades que envolvam a pessoa consigo mesma, por meio de uma interação que a incorpore na aprendizagem”, esclarece Maria de Fátima de Lima das Chagas, pesquisadora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), que atua na área de Tecnologia da Informação do projeto. 

Crédito: Freepik

Nesse sentido, Rafael Hoff destaca o autodesenho como uma das práticas estimuladas pela plataforma. Ele esclarece que não são todas as crianças que conseguem esse tipo de abstração, ou esse tipo de complexidade sobre a autopercepção, “mas aquelas que conseguem têm a oportunidade de pensar a respeito de si mesmas, sendo esse o desafio a ser provocado na vida delas, diferente do que a gente conhece do TEA”, acrescenta.

A plataforma ainda está em desenvolvimento, mas os investigadores adiantam que, além do autodesenho, ela deverá permitir outras dinâmicas. Entre elas, a criação ou montagem de um avatar, que poderá ser feita com base na escolha de elementos que estarão disponíveis na interface, além de jogos que deverão incentivar a interação.

No momento, a ferramenta está acessível apenas em dispositivos iOS, mas há expectativas de que seu alcance seja ampliado a equipamentos Android, ou através de navegador na internet. Atualmente, o projeto envolve crianças diagnosticadas com TEA, com idades entre 3 e 6 anos, mas outras faixas etárias também poderão fazer parte do estudo, de acordo com a realidade encontrada nas regiões em que a pesquisa se desenvolve. 

Sobre o projeto:

O projeto Na ponta dos dedos: uma plataforma digital para uma abordagem complexa do autismo foi contemplado na chamada nº 40/2022, do Edital Pró-Humanidades do CNPq

Coordenadora: Nize Maria Campos Pellanda (UFERSA)

Parceria/Apoio: Grupo de Ações e Investigações Autopoiéticas (GAIA) e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicopedagogia Diferencial – NEPPD